Carta aberta a um ex

Nascemos juntos e por incrível que pareça juntos crescemos como se um só fôssemos. Não nascemos um para o outro, nascemos um no outro. Levamos uma vida a dois nem sempre fácil, estudamos juntos, trabalhamos, passeamos, realizamos alguns sonhos, corremos atrás dos nossos prejuízos.Tão habituados um com o outro estávamos, que esquecíamos de nossas existências interdependentes até o dia que descobri uma falseta sua. Desde então estamos vivemos às turras, pois tornou-se um rebelde sem causa.

Nunca pensei que teria que negociar com ele para conseguir mais tempo para vivermos juntos, pois necessito dele. Odeio ter que dizer isso, na verdade gostaria mesmo de livrar-me dele, jogá-lo aos cães para o comerem, mas tive que reciclá-lo.

Quando ele começou a galopar feito um louco desencontrado, em disparada, perdi o apoio, perdi o ar e apaguei a luz e as memórias.

Neste galope desenfreado quase não o alcanço. Fez uma grande bagunça e me deixou pelo avesso. Lutei bravamente, apesar de acreditar, em alguns momentos, que fosse fraquejar. Me levou às alturas, flutuei e vi estrelas, pois o danado é bom nisso. Me tornei meu melhor abrigo. Pedi ajuda aos espíritos iluminados e recebi visitas especiais, desvendei meus mistérios sobre a vida e a morte. Rodei, rodopiei em corrupio tal qual criança teimosa que quando para cai e, por um tempo, não consegue se equilibrar.

Foi sem querer querendo porque não dava atenção aos sinais. Na verdade, ele foi chegando devagarinho como quem não quer nada, sinalizou várias vezes até que veio para o ataque, perdi o chão, perdi a noção. Ele trombou consigo mesmo e capotou. Fez barulho dentro de mim, dançou como um bicho carpinteiro e achei que estava sendo atacada por seres alienígenas. Então ele já estava instalado na minha vida com seus problemas. Comecei a sofrer quando menos esperava. Vagava de um lado pro outro em mim feito um desnorteado e hoje nossa vida já não é a mesma. Trago-o como um cristal rachado, fendido e trincado, que tem que ser usado com muito cuidado para não se partir.

No seu galope desenfreado quase me levou consigo para seu destino, o infinito.

Esse infinito que hoje habita em mim. Apesar de continuarmos a vivermos juntos e ele não ter conseguido seu intento ainda, pois acredito que ele não desistiu, hoje exibo suas marcas no peito, como um troféu, porque antes ele vivia comigo, porém agora, apesar dele ter mudado tanto e não ser mais o mesmo, sou eu quem vivo com ele.

E, por ele não ser mais o mesmo, é que o considero um ex.

 

Roseli Schutel
Enviado por Roseli Schutel em 17/06/2024
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