Presentes Ausências, Descasos Presentes

Eu não me lembro quando comecei a me acostumar a não receber presentes.

Quando tive meu primeiro relacionamento, me escondi na casa da minha tia para não receber uma caixa de bombons que meu namoradinho da época comprou pra mim.

Eu não havia comprado algo para ele e me senti péssima. Mas, mesmo tendo sido algo que aconteceu há 17 anos, me marcou muito saber que ele ficou me esperando e se sentindo rejeitado com a caixinha de bombons, tudo porque eu não sabia reagir ao receber um presente.

Meu segundo namorado me escrevia muitas cartas. Eu gostava de cartas. Não precisava de dinheiro para cartas, tudo o que você tinha era um papel em branco e uma caneta, além do sentimento pela outra pessoa, o mais importante. Peguei apego às cartas. Amava escrever e também receber.

Ele não me deu nenhum presente, mas as cartas... Elas mudaram muito sobre mim.

Terminei com o meu terceiro namorado antes do Natal, quando soube que ele tinha comprado um presente pra mim. Eu surtei tão violentamente por não ter dinheiro para dar algo pra ele, que preferi terminar, na loucura da insensatez, do que não ser capaz de proporcionar a mesma alegria que, na minha cabeça de quase quinze anos, ele proporcionaria para mim.

Era só uma menina ...

Uma menina pobre e medrosa.

Primeira vez que decidi me abrir foi com alguém igualmente debilitado financeiramente. Éramos tão ferrados que nossos passeios se resumiam ao que dava para fazer de graça na cidade. Vivíamos pelas pracinhas e praias... E, claro, tinha as cartas e os presentes "achados". Como a pulseira que ele encontrou na praia e colocou no meu pulso ou a aliança que comprou pra mim com a nota de cinquenta reais que achou na areia. Ou a rosa que me deu no meu aniversário.

Aliás, ele fazia questão de levar uma flor sempre que me buscava no curso ou que ia me encontrar em algum lugar. Até depois que terminamos e nos mantivemos amigos, só pelo "hábito".

Os ursinhos de pelúcia vieram nos relacionamentos seguintes. Não sei qual a relação entre homens e comprar bonecos de pelúcia para suas namoradas, mas eu ganhei vários ao longo da vida. Um me traiu com a cidade inteira, o outro nunca veio me ver e depois simplesmente me ignorou e nunca mais me respondeu. O outro também me traiu porque "precisava sentir minha falta" e o outro que me deu um bichinho de pelúcia que ele achou no guarda-roupa da mãe, me traumatizou para a vida inteira.

Não tenho mais nenhum, doei todos.

Mas, esse relato ainda é sobre não ganhar mais presentes.

Talvez tenha sido algo natural. Talvez eu simplesmente tenha decidido inconscientemente procurar pessoas que não se importam com isso, pessoas que fazem pouco de datas comemorativas ou estão sempre "guardando dinheiro pra coisas mais importantes".

Não lembro quando foi a última vez que me levaram pra sair. Ou prepararam algo pra mim. E deve ser culpa minha, o karma dos presentes recusados por vergonha voltando a galope.

Passei o último dia dos namorados como qualquer dia comum: exausta, me sentindo feia, sem planos e sem presentes ou gestos.

Um dia comum.

A minha eu do passado teria ficado feliz. Ou não.

Sei que não estou.

Queria ver o mar. Ganhar um chocolate num dia difícil. Visitar o lugar preferido de alguém acompanhada dessa pessoa porque ela quis dividir aquele momento comigo. Queria ir ao cinema. Que alguém abrisse uma cerveja comigo só pra compartilhar um dia estressante.

Queria receber uma carta na cabeceira da cama ao acordar.

Hoje pensei em comer um docinho, podia ter pedido pelo delivery, mas ganhar um docinho teria sido muito mais legal. Ainda mais hoje...

O que tem hoje? Nada. É só mais um dia comum após um milhão de dias comuns.

É que hoje tinha potencial para ser extraordinario. Todos os dias têm.

Só não são.

Quem sabe amanhã.

Ladra de Tinta Seca
Enviado por Ladra de Tinta Seca em 16/06/2024
Código do texto: T8087123
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