LEMBRANÇA DOS MEUS AVÓS

A minha avó se chamava Francisca do Nascimento Lira, mas era conhecida como Dona Nenê. Até mesmo os próprios filhos a chamavam de Nenê, ao invés de “mãe”. Um dia perguntei a razão e ela respondeu que pediu que os filhos a chamassem assim, porque desta forma se sentia mais próxima deles.

Ela era uma mulher alta, (pelos menos para os meus olhos) forte e determinada. Teve nove filhos: seis homens e três mulheres. Dos homens só nos restam a saudosa lembrança, uma vez que todos já partiram para a eternidade. Das mulheres ainda restam duas, sendo que minha mãe, Ester Lira, a mais nova delas, já conta com 92 anos. A mais velha tem 99 anos e mora no Rio de Janeiro. Chama-se Augusta. Bem-disposta, viaja várias vezes ao ano para nos visitar.

Vovó era morena e orgulhava-se por ter casado com meu avô, Sebastião Salvador de Lira, um homem mais baixo do que ela, mas louro de tal forma, que mais parecia um alemão. Tinha os olhos azuis e, segundo ela, foi esta uma das razões que despertou o interesse dela. Ele viva da agricultura. Na época deveria ser um bom partido, uma vez que possuía suas próprias terras e as cultivava com as próprias mãos.

Eles viviam numa comunidade chamada Assunção, localizada nas proximidades do centro de João Câmara, algo em torno de três quilômetros. Seus filhos, segundo ela, tiveram uma infância alegre, já que o lugar não oferecia qualquer perigo. Portanto, as crianças podiam correr à vontade brincando na rua. Mas, havia hora para acabar a brincadeira, tomar banho e esperar o pai voltar do roçado, para o jantar em família.

Meu avô contava muitas histórias da Carochinha. Tanto para mim, como para meus primos Kleiber Lira (marinheiro aposentado) e Cláudio Lira (em memória). Tivemos uma infância muito agradável, com tudo aquilo que uma criança necessita para crescer em um ambiente saudável. Nossa família era pobre, mas nada nos faltava, especialmente carinho e atenção.

Minha avó me ensinou os valores que carrego até hoje, tais como cultivar bons pensamentos, porque eles atraem coisas boas. Ela me ensinou que não devemos falar da vida alheia, devemos orar a Deus, que é o dono de todas as coisas visíveis e invisíveis. Foi com ela que aprendi a rezar e a assistir às missas do domingo.

Lembro com muita saudade das comidinhas que ela fazia para mim e meus primos. Especialmente a mala assada - espécie de omelete feita com farinha de mandioca e carne de sol desfiada - que era a nossa favorita. Nada pode ser melhor do que a casa da avó, onde a gente pode fazer tudo e mesmo aquilo que fazemos de errado, a avó sempre dá um jeito para que o nosso erro não chegue até os olhos dos nossos pais.

Vovó até tentou fazer de mim uma cozinheira, mas eu não demonstrava o menor interesse por esta atividade. Meu negócio sempre foi ler e escrever. Ela respeitava e valorizava isto. Tanto que não me deixava tomar café. Ela dizia que criança não devia tomar café porque queima os neurônios e atrasava os estudos. Não sei de onde ela tirou esta história, mas enfim, fui educada para apenas respeitar a opinião dos mais velhos. Assim, só vim experimentar o sabor de um café quando estava com 28 anos.

Meu avô era muito conhecido em Baixa-Verde pelas histórias mirabolantes que inventava. Ele e seu Lelê – o vendedor de livros da Cidade e de quem eu lembro muito pouco, faziam disputas na Mercearia Baixa-Verde, de propriedade de Seu Zacarias, para ver quem mentia mais. Reza a lenda, que meu avô sempre ganhava as competições que arregimentava uma verdadeira legião de garotos ávidos pelas histórias.