Crônica de um assalto.

Quando me lembro disso, esqueço-me de quase tudo que já aconteceu comigo, como quando comi sabão achando que era Maria-Mole, ou quando escorreguei de um deck de barcos e cortei a perna e acabei com a viagem de todo mundo, ou quando atropelei um urubu no dia de ano novo, ou quando sentei de calcinha em uma chapinha fervendo e queimei o traseiro, ou quando fiquei trancada de biquíni meia noite pra fora casa. Mais recentemente quando levei um peteleco na cabeça de um homem na rua porque me pedira um isqueiro e eu atipicamente não tinha ou, pior, quando fui parar no hospital, levemente sugestionada (muito sugestionada) pelos amigos porque tinha no pescoço uma possível picada de aranha marrom. Fora os milhares de tombos, estabacos e cicatrizes que coleciono nada, nada parece tão mais engraçado e surpreendente quanto o que contarei agora.

Fui assaltada por um anão manco, de muletas, mais ou menos de um metro com suas muletinhas de meio metro cada. É verdade.

Quando pedira minha bolsa com sua pequena mão no bolso pensei: ele pode estar armado e ao mesmo tempo em que me passou pela cabeça a possibilidade de violência passou também coisinhas engraçadas como uma mini arma de fogo, ou um canivetinho que coubesse naquela mãozinha. Voltei do ligeiro devaneio agarrada a bolsa e olhando a figurinha a minha frente, entregar ou não entregar? E se tiver alguém com ele e for maior? E se eu rir dele? E se ele não estiver armado?

O pequenino apressava-me com sua voz ameaçadora de anão, decidi entregar, levara tudo, cartões, dinheiro, chaves, documentos, um mp4, dignidade, tudo.

Achei engraçado quando o vi se equilibrando nas muletinhas e tentando acelerar os pequenos passos de fuga, senti-me ridiculamente incapaz. O que eu poderia fazer? Violentá-lo? Somente dei risada e marquei na memória sua fuga ligeira e desengonçada pela Rua Vicente Machado de Curitiba.

Liviuca
Enviado por Liviuca em 08/01/2008
Código do texto: T808704
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