Simplesmente viver, viver simplesmente
Aprendi, faz muitos anos, estudando literatura no ensino médio, as locuções latinas aurea mediocritas, fugere urbem e locus amoenus. São do Neoclassicismo ou Arcadismo. E, por dois motivos, não as esqueci: gosto muito de latim e gosto da vida simples no ambiente bucólico. Parece que nada tem que ver uma coisa com a outra, mas neste caso tem. Tem e talvez isso explique muitos dos meus gostos. Ou não. Sei lá! Nem quero saber.
Não é o propósito explicar aqui o significado dessas locuções. Na literatura, elas dizem, contudo, da louvação do homem simples, de vida frugal, que deve fugir da cidade para o campo em busca da harmonia e felicidade junto da natureza, no locus amoenus. Nos versos de suas Odes, Horácio, o famoso filósofo e poeta romano, já dissera da efemeridade da vida e do valor da vida simples. Você não gosta de latim? Tudo bem. E da simplicidade? E das belezas da vida? Ayres Britto, que se define como “um seduzido pela beleza das coisas”, gosta. Paulinho Nogueira, grande músico e compositor brasileiro, com certeza, também.
Autor da letra e intérprete da música “Simplesmente”, Paulinho Nogueira canta, exaltada e poeticamente, o valor de viver a simplicidade e, mais do que isso, do fugir da alienação que nos é imposta. O artista e sua obra – registro – me foram indicados pelo meu amigo Liberato Diniz Barroso, de Santa Maria de Belém do Grão-Pará, a bucólica Cidade das Mangueiras, capital do meu Estado. Liberato é um homem culto, grande profissional da Contabilidade e também especialista em Ciências Forenses, mas, acima de tudo, uma pessoa simples, que sabe apreciar as coisas boas da vida.
Somos amigos e o conheço desde quando trabalhamos juntos, há mais de quarenta anos. O passado fica dia a dia mais distante, envolto nas pesadas e vorazes brumas do tempo, mas nossa amizade continua firmada na admiração e no respeito recíprocos. As boas amizades são para a vida toda. Eis por que ele, muito probo, resoluto insubmisso à alienação cada vez mais exacerbada de nosso tempo e um convicto inconformado com a insana valorização do ter em detrimento do ser, ao comentar minha crônica “Ela é uma moça sabida”, escreveu:
Acabei de ler sua crônica. Como sempre, redação impecável e conteúdo típico de uma pessoa de bem. Às vezes chego a pensar que estou neurótico por viver no passado! Mas veja: as nossas aspirações sempre se relacionavam às coisas imateriais (estudos, convivência intelectual e outras coisas) e nunca ao materialismo que desesperadamente se apossou de grande parte das pessoas. E vem você, de uma forma suave e emocional, falar de simplicidade (seus pais) e de como se era feliz com o que se possuía, trazendo um enorme consolo a este vivente que procura ser simples, neste emaranhado de complexidade em que se transformou a vida moderna. Conheci (e admiro ainda hoje) um falecido compositor chamado Paulinho Nogueira, cujas composições sempre retratavam as coisas simples da vida. Ele compôs uma (na minha opinião) obra-prima chamada Simplesmente, que vou lhe mandar. Graças a Deus, decididamente, não estou só.
Que maravilha! Emocionado, ganhei o dia. Recomendo ouvir a música. E, à guisa de amostra de sua letra, aqui vão estes versos: “Quantas vezes eu já fracassei / Quantos bons momentos desprezei / Por pensar demais, por ouvir demais / Por não saber olhar a vida simplesmente.” E segue: “Dentro desse louco turbilhão / Cada um querendo ser melhor / É muito melhor se deixar ficar / Em tudo que você sentir / Simplesmente.” Bem mais à frente: “Duvidar então do que querem / Fazer você olhar, fazer você ouvir / Fazer você pensar.”
Liberato, no seu comentário, e Paulinho Nogueira, na letra da música, dizem muito com outras palavras sobre a força internalizadora (sofrida, não raro, inconscientemente) de valores daquilo que Pierre Bourdieu chama de habitus, sem prejuízo do que ele também conceitua como capital cultural, ambos condicionados ao capital econômico e impostos dia a dia ao indivíduo pela sociedade em que vive. A discussão é rica e profunda. Vale a pena pensar nisso. Reagir. E viver.