A chuva

Tenho uma péssima notícia para dar. Na verdade, não sei se é péssima, se é notícia, se é para dar, no sentido de. Acho muito eloquente quando alguém político, intelectual, magistrado, impressionista usa a expressão "no sentido de"... Explicitamente, passa-nos a noção de que sabe a origem e o destino do que fala ou escreve, ainda que, implicitamente, haja desconhecimento total acerca do fenômeno aludido, no sentido de.

Como são pedantes os pedantes, os políticos em geral, os intelectuais em particular, os magistrados no sentido de. Por que não falam simplesmente e apenas, quando por detrás de uma janela, diante do fenômeno chuva, tais quais nós, os comuns: "Lá fora chove"? Por que necessitam de complementar: "Lá fora chove, no sentido de..."? Por que precisam explicar o sentido, a origem, o destino da chuva? Por que simplesmente não fazem como as crianças em geral, diante de semelhante cena, e sorriem, e dão uns pulinhos no ar, e colocam problemas de lado, a mãozinha pela janela, para ver a chuva de verdade, não apenas a impressão.

Não gostaria de saber o que diria um político em geral, intelectual em particular, magistrado no sentido de, neste momento agora, ao olhar por esta janela e ver estas gotas deslizando pelo vidro, desenhando caminhos incertos, destinos desgovernados, reflexo da chuva lá fora. No entanto, o que diria uma criança, recém levantada da cama, com os olhos ainda enxutos, diante de tal cena, muito me interessaria, no sentido de.

Tenho uma péssima notícia para dar. Na verdade, não sei se é péssima, se é notícia, se é para dar, no sentido de. Não sou um político em geral, um intelectual em particular, um magistrado no sentido de. Nem gostaria de ser, neste momento, no sentido de. Porém saber o que diria uma criança recém levantada da cama, com os olhos ainda virgens, diante destas gotas deslizando pelo vidro, desenhando caminhos incertos, destinos desgovernados, reflexo da chuva lá fora, o que diria, muito me interessaria saber.

Amenizaria a ressaca, no sentido de interromper a agenda. As horas pela frente, os carros na estrada, as pessoas na contramão, governadas, todo mundo enxuto no sentido de, contrastando com a chuva lá fora, molhada, exercendo sua plena liberdade líquida, seguindo seu próprio ritmo, descompromissada com as horas, com o trânsito, com as pessoas. Sendo o sentido de, e não no sentido de.

Damião Caetano da Silva
Enviado por Damião Caetano da Silva em 15/06/2024
Código do texto: T8086343
Classificação de conteúdo: seguro