Assombração: Entre a Realidade e o Imaginário

“Há mais coisas entre o céu e a terra do que supõe nossa vã filosofia.” – Shakespeare

ElsonMAraujo

Há lugares que carregam em suas paredes mais que a simples memória de eventos passados. O imóvel da Prefeitura de Imperatriz, nas imediações da Praça Prefeito Renato Moreira (conhecida como Praça da Cultura), é um desses lugares. Em tempos anteriores, o edifício abrigou a parte administrativa da saúde e da assistência social do município. Foi ali que, na minha adolescência, servi como office boy. O final do dia, quando a luz começava a ceder espaço à penumbra, era um convite para os mistérios se manifestarem.

A primeira experiência que tive foi ouvir o tilintar de correntes vindo de um antigo jardim de inverno. Na tentativa de investigar, fui ao local, mas tudo se tornou silêncio. Em outra ocasião, um grito masculino, carregado de dor, ecoou pelos corredores. Confesso que, naquela tarde, senti um arrepio que me percorreu da cabeça aos pés. Embora não me considere medroso, naquele momento, o medo me dominou. Nunca mais tive coragem de retornar ao jardim de inverno sozinho.

Não era o único a perceber essas manifestações. Outros funcionários também relatavam ouvir coisas inexplicáveis. Com apenas 16 anos, decidi investigar. Descobri que ali funcionou, senão a primeira, uma das primeiras cadeias públicas da cidade. Mais tarde, meu querido irmão de consideração, Carlos Brandão, confirmou que naquele lugar, num tempo em que os direitos humanos eram ignorados, os presos viviam um verdadeiro inferno. Eram acorrentados no tronco do jardim de inverno e submetidos a torturas tão cruéis que muitos não sobreviveram.

Os gritos de dor eram ouvidos de longe. Passo sempre por ali e, numa dessas passagens, fotografei a casa para registrar a história. Naquele dia, ao cair da noite, aguçei os ouvidos, mas não ouvi nada. O último órgão a ocupar o local foi a extinta União dos Estudantes Secundaristas de Imperatriz (UMES).

O sobrenatural sempre acompanhou a história da humanidade, talvez como uma necessidade intrínseca de explicar o inexplicável. A criação de divindades por todos os povos é um forte indicativo disso. Cada problema no mundo parecia ganhar uma divindade específica, dando origem a seres mitológicos que transferiam responsabilidades pelas ocorrências boas e ruins, tanto individuais quanto coletivas. Celebravam-se essas entidades com festas e sacrifícios, numa tentativa de agradá-las.

Na antiga Roma, no século V a.C., recorria-se à deusa Ceres (Deméter, para os gregos), divindade da agricultura e da fecundidade, para garantir e celebrar uma boa colheita de trigo. Não por acaso, a palavra cereal deriva de Ceres, em cuja honra eram realizadas inúmeras festas. Mas Ceres é apenas uma entre milhares de divindades conhecidas mundo afora.

Algumas dessas divindades ganharam fama por meio da tradição oral e depois foram imortalizadas nas páginas dos livros de literatura. No Brasil, figuras como a Mula sem Cabeça e o Saci-Pererê fazem parte do imaginário popular, celebrizados pela pena de Monteiro Lobato. Em muitas regiões, entre os mais antigos, há quem jure de pés juntos ter visto esses seres.

Aqui, nas bandas do País, quem nunca ouviu falar do “Nêgo d’Água” nos lajeiros do Rio Tocantins? Anos atrás, em Itaguatins (TO), enquanto trabalhava numa matéria sobre as lendas da nossa região, entrevistei pelo menos cinco pessoas que “recordaram” ter visto a entidade na Cachoeira de Santo Antônio durante a infância.

Que atire a primeira pedra quem não tem uma história própria ou contada por algum amigo ou familiar sobre eventos inexplicáveis, tanto na infância quanto na vida adulta. Anos atrás, em Imperatriz, uma loura linda costumava seduzir jovens nas portas das boates, desaparecendo misteriosamente ao pedir para ser deixada no portão do Cemitério Campo da Saudade. As boates não existem mais e a loura misteriosa desapareceu.

No meu caso, como deixei claro no início, já me deparei com diversos fenômenos inexplicáveis. Até toquei violão sem saber uma nota sequer. No começo, assustava-me, mas depois passei a encarar de boa. Continuo sem saber tocar.

A primeira vez que me deparei com o inexplicável foi aos oito anos. Levantei de madrugada para urinar e vi uma espécie de “fantasma” saindo do corpo da minha irmã mais nova, que dormia no mesmo quarto. Lembro-me bem! A imagem era semelhante a ela e desapareceu na mesma velocidade que surgiu, após o meu grito de “maeee”.

Depois disso, minha saudosa mãe passou a ser minha deusa protetora nesses casos. Ensinou-me que bastava rezar um Pai Nosso e tudo ia embora. Funcionou e funciona até hoje. As visagens me deixaram em paz.

elson araujo
Enviado por elson araujo em 14/06/2024
Código do texto: T8085912
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