Hieróglifos

Sutis sinais abstratos representam tanto em nosso universo. Quando digo “desejo”, há uma infinidade de sentidos ocultos em um simples conjunto de seis letras. Uma história, um objetivo, um sonho, uma jornada, um objeto, passado, presente e futuro coexistindo num único ente gramatical, enquanto não deixa de simbolizar, por si mesma, a palavra “desejo”. Apenas um conjunto de curvas e retas, de dois a quatro traços no máximo bastam para qualquer grupo sonoro de sentido ortográfico.

Cada palavra carrega consigo todo o contexto do Universo. Toda a história do povo cuja língua se vê representada, seguida pela história de toda a humanidade. Nossos ancestrais, analfabetos, que organizaram o conjunto de sons de sua garganta para se comunicarem, os filos mais distantes da origem das espécies, as bactérias em sua sopa primordial. A palavra “Início” carrega consigo as partículas microatômicas da origem das estrelas, das galáxias, da realidade, como parte do grafite que a escreve, dos LEDs que a projetam em tela, das células de seus autores e da consciência, filha do cosmos, que a compartilha entre suas múltiplas perspectivas.

“Destino”, por si só, são apenas sete conjuntos de rabiscos, mas recolhe em seu sentido os sete mares dos quais separam as almas, sete pecados que impedem o ser de ser de verdade, sete léguas que se entremeiam entre o ente do objeto, sete leis que regem todo o cosmos, sete ondas que abençoam e sete lagrimas que perfuram o coração. Sete, que por sua vez representa o infinito numérico, são os anos que se passam, as feridas que se ficam, as memórias que se esvaem. O sete de copas são as ilusões que nos permeiam, o de paus os ensaios que projetamos em nossas mentes, o de espadas as fugas que carregamos no dia a dia, o de ouros os poucos frutos que escorrem por nossas mãos, resultantes da hesitação. Sete são os homens queridos, as mulheres amadas, os seres esquecidos e os dias corridos.

Que se há, então, de sentido na língua, que não a própria grafia de “sentido”? O que é uma palavra sem seu objeto? Seu sujeito? Sua ação, posição, gênero, número ou grau? Cada conjunto de curvas e retas é injetado de sentido por todo o cosmos, de seu início a seu fim. O sentido de “sentido” é sentir as correntes fluidas que nos ligam desde nosso passado como poeira interestelar até nosso futuro frio aprisionados dentro de buracos negros, passando por cada dia da existência de nossa espécie, se propagando pelo vácuo eternamente.

O sentido de “sentido” é eventualmente se tornar “fim”.

Ariel Alves
Enviado por Ariel Alves em 14/06/2024
Código do texto: T8085597
Classificação de conteúdo: seguro