Lar de idosos IV
A filha tem passado por altos e baixos. Mais baixos do que altos. Dói no coração dela ver pela câmera do aplicativo a mãe na cadeira de rodas, rodeada de estranhos. Ela sabe que a mãe é uma pessoa que gosta da solidão. A mãe sempre se deu bem consigo mesma. Com os outros, a filha sabe que a mãe fazia apenas o social. Acabou-se o social, a mãe se fechava em seu próprio mundo e corria com qualquer familiar que tentasse se aproximar.
A filha estava acostumada a ficar no seu próprio canto. A filha é tímida... e acredita ter herdado da mãe essa capacidade de se sentir completa consigo mesma.
Mas a filha estudou. A mãe embora vivesse quase o tempo todo só na sua própria companhia não queria isso pra filha. A filha fez muitos cursos, trabalhou em vários lugares, convive com muita gente. Mas, como a mãe, terminada a 'obrigação' da convivência se isola em sua própria ilha... onde encontra todo o suprimento necessário pra ficar, ficar e ficar.
Agora a filha sofre. Sofre porque sabe que a mãe quereria fugir daquele lugar onde está; sofre porque vê a mãe (pelas câmeras) se esforçando pra mostrar que está tudo bem com ela, no meio de toda aquela gente. A filha vê a mãe no momento de recreação: a mãe pinta os desenhos que lhe são dados, a mãe tenta acompanhar as músicas (a mãe ouve pouco) do Pe. Zezinho. A filha sabe que a mãe é superfã do Pe. Zezinho. A mãe tem discos de vinil e CDs do Pe.
A filha vê tudo isso e está tão triste. Está triste porque entende que está tudo errado. A mãe não quer estar onde está. A filha sabe que não há outra solução. Alguém precisa ficar de olho na mãe 24 horas por dia... a mãe precisa ser medicada, alguém precisa ajudar a mãe no banho, alguém precisa empurrar a cadeira de rodas da mãe, a mãe precisa de ajuda pra se vestir, a mãe precisa ser ensinada a andar em um andador. E a filha sabe que a mãe até aceitaria a filha... mas pelo tempo de visita de um médico. A filha sabe que a mãe não quer a filha 24 horas por dia por perto.
A mãe vira a filha. A filha não consegue virar a mãe. A mãe não deixa a filha virar a mãe, E a filha entende que está tudo errado.
A filha sofre e chora. .. chora muito. E, olha, que a filha não está acostumada a chorar. A mãe ensinou que chorar não resolva nada. Mas a filha não consegue mais obedecer a mãe, embora sabendo que chorar não vai resolver nada mesmo.