A Deus, amigo
A Deus, amigo
- Tchau, meu amigo. Encontro-te lá em cima, logo, logo.
O homem chorava copiosamente, ajoelhado sobre a catacumba de Agnel. Agnel fora um homem muito bom. Conheci-o através de minha noiva que era sua sobrinha.
Era um homem alegre, contador de causos, um pobre bon vivant.
Fora motorista de ônibus quando jovem. Gostava de meter umas canjebrinas a mais para dentro do fígado estropiado.
Com lábia incomum ia namorando uma moça bonita atrás da outra até que um dia, Benilde, jovem e bela mulher, o tornou um homem sério.
Benilde era dez anos mais nova que ele, muito bonita, enchia-o de prazer desfilar com a ragazza na praça. Casou-se, largou o ônibus e abriu uma bodega. A bodega progrediu e virou armazém.
Agnel teve cinco filhos, dois homens e três mulheres, todos lindos.
Não esqueceu suas orgias, apenas suprimiu a parte que toca às mulheres, mas não à “maldita”. Começou a frequentar outros botecos, a fazer amizade com homens comuns, como aquele que chorava sobre seu corpo.
Faleceu novo, com quarenta e dois anos, bem vividos.
No dia de seu enterro, a família e amigos estavam trajando roupas de luto. Roupas escuras de boa qualidade e todos bem alinhados. Cabelos tratados, rostos com pele conservada, não pelo tempo, mas por produtos de beleza.
Todos se assustaram ao ver aquele homem, entre eles.
Roupas rotas, surradas, cabelo em desalinho e olhar distante. Um molambo que carregava dentro de si um amor imensurável pelo amigo de festas. Tinha no rosto uma vermelhidão e um inchaço próprios de quem é um pinguço de marca maior. Calçava sandálias de dedos, dentro de pés inchados.
O homem aos prantos, dizia:
- E agora Agnel, o que será minha vida sem a tua companhia?
Sem os teus causos para que eu ouça embevecido.
- Agnel, meu irmão, quando eu beber, vou derramar do copo duas vezes a pinga, uma para o “santo” e outra para ti. Sei que lá do céu sorverás a pinga e a minha lágrima. Tua família, provavelmente, não conhecia o teu outro lado, o do amigo, aquele que não media esforços para ajudar um companheiro, com dinheiro e, principalmente, com palavras.
- Agnel, quando eu estiver cambaleante, sem forças para caminhar, quem me levará para casa?
- O jogo de cacheta e de sinuca não terá mais graça sem a tua presença.
Assim como chegou, saiu. Não cumprimentou ninguém, deixando a todos estupefatos e boquiabertos.
Aroldo Arão de Medeiros
08/10/1999