O TRISTE FIM DE JOÃO PEDRO

Isto aconteceu há muito tempo. Mas me marca até hoje...

Como amo e respeito a natureza e todos os animais que ela abriga, qualquer um que apareça no meu pedaço é bem-vindo e muito festejado.

Assim, um dia percebi um movimento entre plantas rasteiras no quintal. Fui ver o que era e encontrei um sapo de bom tamanho. Ele não se assustou comigo. Dei-lhe as boas vindas ao meu “reino”, disse que ficasse à vontade. Ele me olhava, parecendo curioso. Antes de me afastar, informei-o de que sabia perfeitamente o seu papel na ecologia e que nunca o expulsaria do meu quintal. Sentindo que ele ficara seguro e tranqüilo, afastei-me e fui lavar umas roupas no tanque.

Estava entretida ali quando vi o sapo se aproximando. Olhou-me e se dirigiu para uma manilha instalada no tanque. Entrou e não pude ver onde chegara porque não havia luz. Imaginei que nunca o vira porque era ali que ele morava.

O dia correu normal. Desempenhei todas as atividades e, cansada, era tardinha, tomei um banho e fui descansar no cadeirão da varanda. Exausta que estava, quase adormeci, olhos semicerrados e cabeça vazia de pensamentos. Bendito descanso! Quando dei por mim estava escurecendo, o tempo ficara cinza. Percebi um vulto, firmei o olhar e vi que era o sapo se aproximando. A varanda era pequenina e não acreditei que ele chegasse até mim. Até onde sei, os sapos são desconfiados com toda a razão. Mas ele se aproximou sem a menor cerimônia. Pensei: ele entendeu o que eu disse e acreditou em mim! Parou num canto, a meio metro de meu pé. Comecei a falar com ele, mostrando alegria. O bichinho me olhava, olhos bem abertos nos quais não havia medo. Depois de “conversarmos” um pouco, eu disse: “Olha, querido sapo, eu estou adorando sua companhia e acho que vamos ser bons companheiros. Acho que você merece ser identificado por um nome.” Pensei um pouco, tentando escolher um nome adequado. “João Pedro... sim senhor, adoro esse nome. De agora em diante é assim que vou chamá-lo.” Ele não retrucou... acho que aprovou...

Todas as tardes, mais ou menos à mesma hora, estava ele ali a me esperar, ora empoleirado num vaso de samambaia, ora no chão puro ou no tapetinho da porta. E a gente conversava, já era praxe.

Foi ficando confiado o bichinho e um dia apareceu na cozinha. Foi uma gritaria danada de minha filha e a jovem que trabalhava em casa. Por que será que todo o mundo tem medo de sapo se ele é tão inofensivo? Não entendo isso... Mas para que as meninas se acalmassem, tomei uma vassoura e fui empurrando o João Pedro devagarinho, enquanto explicava que ali não podia entrar. Se entendeu não sei, mas nunca mais repetiu aquela façanha.

As plantas ao redor da casa, no jardim e no quintal estavam pedindo cuidados, uma limpeza, uma poda. Chamei o jardineiro, Senhor Aparecido, para fazer o serviço. Avisei das tartarugas que habitavam o quintal para que ele tomasse cuidado, pois elas adoravam se esconder sob os arbustos e poderiam ser feridas pela enxada. Atencioso, ele tomou todo o cuidado. O trabalho durou o dia inteiro. Tudo pronto, paguei o serviço e Seu Aparecido foi para casa, ali mesmo, na vizinhança.

Tomei meu banho e fui para a varanda. João Pedro ainda não chegara. Esperei, esperei, nada. Fui à porta da casa dele e chamei. Nada. Tremi. Teria acontecido alguma coisa? Pensei no Seu Aparecido... Não, nem quero pensar nisso... Cansada de esperar, fui dormir muito preocupada.

Sete da manhã, bati na porta de Seu Aparecido:

- Bom dia.

- Bom dia. Algum problema?

- O senhor por acaso viu um sapo no meu quintal?

- Ah, vi sim. Eu matei ele pra senhora... Foi uma enxadada só... (disse isso todo sorridente...)

- Era isso que eu temia. O senhor matou o meu João Pedro!

- (Espanto dele... o leitor pode imaginar o tamanho de seus olhos...) Mas sapo a gente mata, é bicho perigoso, pode passar doença, e é nojento...

- Pára com isso, seu Aparecido. Isso tudo é besteira. Sapo é um animal muito importante na natureza. Mas esse era mais que um filho, eu gostava muito dele, era meu companheiro quando entardecia, ficava comigo na varanda... (e fui desfiando a minha relação já tão íntima com o bichinho, enquanto o homem me olhava sem controlar o espanto).

- Olha, Dona, eu não sabia disso. A senhora só falou das tartarugas, essas eu não matei. Mas eu prometo que acho outro sapo para a senhora.

- Não, eu não quero mais nenhum sapo pra ser morto na minha casa. Não é questão de ter qualquer sapo, é o meu João Pedro que eu queria. Ninguém vai substituí-lo.

Depois desse diálogo dei uma verdadeira aula sobre os sapos e sua importância na natureza, ao jardineiro com cara de incrédulo. Soltei minha revolta por essa mania que o homem tem de inventar perigos que não existem e de matar todos os sapos que encontram. Ele acabou comovido. Foi comigo para minha casa a fim de procurar o sapo morto no montão de galhos que ainda estavam lá. Encontrou meu João Pedro, todo ferido e mortinho. Fez um pequeno buraco sob um arbusto e solenemente enterrou meu João Pedro, enquanto eu chorava. Pensei: pelo menos ele teve um enterro digno!

O homem saiu de casa em seguida, muito respeitoso, e disse com ar contrito:

- Eu juro que aprendi a lição: nunca mais na minha vida eu vou matar um sapo.

Depois me olhou longamente:

- Nunca mais vou matar bicho nenhum.

Repetiu uma frase minha:

- Os bichos têm direito de viver tanto quanto nós.

Seu último resmungo, já se afastando de mim:

- Mas a gente vê cada uma nessa vida!!!

Sal
Enviado por Sal em 04/12/2005
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