EXISTENCIALISMO E PSICANÁLISE (LUCY IN THE SKY WITH DIAMOND) (XII)
EXISTENCIALISMO E PSICANÁLISE
(LUCY IN THE SKY WITH DIAMOND) (XII)
OS VALORES coletivos são os que se afirmam no passar das gerações. A força do Inconsciente Coletivo é quase que invencível. Milhões de pessoas pensando numa determinada direção. Milhões de pessoas herdaram os mesmos protocolos da geração passada que, por sua vez, teve por herança os protocolas comportamentais dos que os precederam. Minha família me incentivava a carregar a cruz da vergonha de existir. A vergonha de ser o primogênito de um grupo de dez irmãos. A vergonha de ter de arcar com a responsabilidade de criá-los. Eu não os tinha gerado. Eu reivindicava o direito de ser um rapaz latino americano com dinheiro no bolso, sem parentes importantes, com condições de ganhar meu espaço entre os de minha geração.
GANHAR MEU espaço sem ter de me prostituir. Sem ter de sodomizar nem ser sodomizado. Ganhar meu espaço de poder ser o melhor de mim. Minha mãe me ensinava a técnica de gostar de ser subjugado. A técnica do conformismo. O absurdo de sempre estar a me negar para satisfazer as necessidades de seus demais filhos. Eu não podia ter nem reivindicar direitos, eu tinha o dever de me sacrificar, de sacrificar a realização de meus objetivos, pelos objetivos de sobrevivência de meus irmãos.
QUALQUER CAMISA, calçado, ou outro qualquer bem de consumo, eu não tinha o direito de ter, fosse o que fosse. Logo seria acusado de estar tirando o pão da boca de meus irmãos. O caro leitor talvez não tenha tido esse problema de carência extrema, de falta de consideração de seus pais para consigo mesmo. Se não teve, difícil fazer uma empatia com minha situação. A mulher, a Lucy atualizada de meu pai, era incontrolável em sua determinação de engravidar e parir.
PARA TANTO ela casou: para ter um lugar onde comer, beber, defecar, dormir. Isto é o básico, quem não isso??? Todos queremos ter um lugar de conforto. É natural. Para não perder esse mínimo, Lúcyfer Australopiteco aumentava a sobrecarga de responsabilidades do marido, um sujeito por si mesmo fraco, tinha suas aflições multiplicadas por cada filho parido dela. Cada um de nós possui um opositor interior. Diabo em grego quer dizer opositor. Satan e Satanás significam adversário. São tidos e havidos adversos aos seres humanos
EU, UM SER humano, queria continuar humano e não me deteriorar física e mentalmente para satisfazer as necessidades dos outros. Neste sentido também o filósofo Sartre tinha razão. Neste sentido o inferno eram os meus irmãos. A deusa do lar, empoderada com o saber que lhe proporcionava cada gravidez, não estava nem aí para as necessidades de alimentação, moradia digna, investimentos em roupas e educação dos filhos. Era queria era parir um atrás do outro porque, enquanto tivesse grávida era ela uma deusa, uma Hera, uma Freia, Ísis, Juno, Demeter, Afrodite. Ela se sentia a Vênus de Willendorf, rainha das cavernas paleolíticas de há 25 mil anos.
UMA QUANTIDADE excessiva de filhos gera uma quantidade excessiva de dependências financeiras, econômicas, educacionais, alimentares, educacionais. Quantidade de carências gera quantidade de populacional de torcedores de futebol, de jogadores de pelota, de técnicos e brucutus chutando bolas. Gera quantidade de dirigentes de clubes que, por baixo dos panos criam condições favoráveis ao intercâmbio internacional de jogadores que estão querendo ou não, incentivando os esquemas de lavagem internacional do dinheiro das máfias.
JÁ QUE A estratégia de me ver fora da competição familiar pela violência criminosa do marido dela não havia dado certo, o casal investiu numa outra estratégia, tentando fazer com que eu não pudesse mais reclamar de minha situação insustentável de filho primogênito. Essa nova estratégia era bem mais elaborada. Antes de narrar que estratégia era essa, preciso dizer que viver essas experiências é estar à mercê de suas forças primitivas brutais. Tais estratégias estavam completamente fora do que Einstein tinha em mente quando definiu educação. Afirmou ele: “A única finalidade da educação deve consistir em preparar indivíduos que pensem e ajam como indivíduos – independentes e livres.” O casal que me pariu tinha uma ideia diferente. Eles queriam me ver aprisionado numa gaiola de necessidades das quais eu não poderia sair.
A LUCY Australopiteco atualizada que era minha mãe, sempre foi irredutível. Ela não se importava com os sofrimentos por mim existencializados, ao ver meu futuro ser malbaratado por me faltar as condições que deveriam estar presentes. Eu viveria de favores para poder continuar meus estudos. Tudo que mamãe australopiteco queria era sentir-se empoderada quando engravidava. Rixas e bate-bocas com o marido quando ele reclamava que estava esgotado fisicamente, que mais um filho todos os anos, só poderia esgotá-lo ainda mais. Os que já tinham nascido estavam carentes, e outro filho só poderia aumentar a carência dos que no mundo do larbirinto já estavam.
NA VIDA dela tudo que importava erar parir. Eu, criança, a mim restava viver a angústia e o absurdo da náusea, por não ver na vida deles um sentido que justificasse minha própria vida. Eles tinham me trazido a esse mundo e não mostravam a mínima responsabilidade para comigo. Para com minhas necessidades básicas de respeito, afeto, educação e cultura. O casal havia ido para férias no Rio de Janeiro e abandonado os filhos em mãos da irmã dela, tirada da guarda de minha avó materna que, em Fortaleza, não tinha quem dela cuidasse. Ela forçara a irmã magérrima, que mais parecia um esqueleto ambulante, a ficar na guarda dos filhos.
ELA, TIA, nunca teve condições nem de criar as próprias duas filhas que viviam na casa da mãe do que havia sido o marido dela, assassinado, nunca disseram a razão nem o porquê. E lá estávamos os filhos que ficaram à mercê de uma tia doente, que havia sido tísica e quase morrera de tuberculose. Em mãos dela depositaram uma certa quantia em dinheiro que em pouco tempo esgotou-se na compra de pão, arroz, farinha e feijão. Passamos a viver da compaixão de vizinhos e da avó paterna de suas filhas. Elas moravam a meia quadra do famoso puteiro da Paissandu. A mais velha tornou-se uma Terezona, sapatão agressiva, de voz histérica, raivosa, mostrando um acúmulo de revolta incontrolável. Mesmo assim casou com um médico que a dobrou em cabresto curto.