O REPOUSO DOS PÁSSAROS

Invariavelmente, todas as tardes por volta das 17h30m centenas de pássaros alvoroçados proporcionam aos moradores do bairro onde moro um concerto ecológico espetacular quando revoam com seus trinados e grande algazarra por sobre a infinidade de árvores ainda existentes, mas que certamente em breve as construtoras derrubarão para dar lugar às dezenas de torres de concreto, já anunciadas. Em breve, nós e os pássaros nos despediremos delas com lamentos e tristezas. Infelizmente os gananciosos estão fazendo isso com o nosso planeta.

Mas, eu falava da revoada das aves em busca dos seus ninhos para o descanso ao fim da tarde. Aos bandos, elas começam a surgir inopinadas, de várias direções, e por todo quarteirão ecoam seus estridentes brados característicos, numa algazarra intensa. É uma verdadeira festa no ar, para espanto de uns e entusiasmo de outros. Elas dão vôos rasantes, como numa fábula parecem discutir entre si, sujam bastante de caca as imediações, entram e saem dos ninhos e vão fazendo tamanho barulho que, a priori, a impressão é que estão agredindo o instante, mas, a meu entender, reputo uma melodiosa sinfonia da natureza. Por vezes, repentinamente em tom de fúria, parecendo esganiçados contendores em refregas sangrentas, eles simulam estar atracados numa luta de morte, como esfaimados seres a degladiar-se por um petisco qualquer à vista. Na verdade, porém, eles executam, instintivamente, o solo rítimico e eterno da vida em liberdade, obedecendo ordens primitivas pretéritas que o tempo trouxe através dos séculos e séculos de suas gerações.

As pessoas residentes nas imediações das árvores, maravilhadas com o mavioso barulho, assistem ao ir e vir dos pássaros em redor dos galhos e tecem os mais diversos comentários, apontando, rindo das peripécias das aves no ar. Evidentemente, algumas procuram enxotá-las por causa do que consideram um barulho desconcertante e chato que perturba o sossego do entardecer. Muitos reclamam, também, da sujeira deixada pela multidão de pássaros e consideram ser importante uma solução adequada para o caso. Já vi um ou outro cara subindo nas árvores e balançando a galhada, fazendo estardalhaço com o objetivo de fazê-las debandar, mas tudo em vão. Porque só conseguem, simplesmente, adiar o sono daqueles inquilinos noturnos, nada mais. Pois que, apenas por momentos a passarada revoa indignada, espalha-se em debandada, mas logo volta com mais ímpeto e decisão. É ali onde as aves têm os seus ninhos, onde procriam, onde pernoitam. Aquele amontoado de árvores ainda de pé é o verdadeiro lar delas. Infelizmente, imagino, por pouquíssimo tempo, dado o olho gordo das construtoras já nas circunvizinhanças.

A batalha entre as aves e os desgostosos de suas presenças é diária e árdua, gerando estresse e perdas para ambos os lados. Os admiradores, para quem a presença das aves é algo maravilhoso, aplaudem a sinfonia, mas os incomodados atiram pedras. Malgrado tudo isso, apesar dos inúmeros pesares, quando o relógio aproxima o seu ponteiro para as 18 horas, os relutantes pássaros já estão em potencial silêncio. Ou quase. Porque é claro que um ou outro levanta vôo por alguma razão desconhecida, faz umas voltas em derredor e retorna assanhado; já outros resmungam desajeitados ou mimados, sabe lá o que os impulsiona a isso, ou pipilam por algum aconchego da fêmea, talvez. Por outro lado, os impenetráveis carrancudos da rua aqui e ali ainda tentam algo para tirar o incômodo, os estressados rostos contraídos de ira. Contudo em pouco tudo volta ao seu lugar, a paz pode-se dizer, mais uma vez reina até o dia seguinte e as aves adormecem.

Ao sinal dos primeiros sintomas do amanhecer, os pequeninos bichos recomeçam o ciclo da vida, cantando bem alto sua alegria de renovar a graça de existir. É tempo, então, de mais barulho para uns, mais sinfonia para outros, de caras fechadas, de sorrisos afetuosos, de conflitos e amores, de procuras e encontros, de muitos abraços e tantos bofetões, de amizades e rancores, de ternura e ódio. Esse amontoado de sentimentos, entre outros diversos, faz a ilustração do nosso viver. O sangue pulsa e a vida anda.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 08/01/2008
Código do texto: T808225
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