Oitcho

Foi-me perguntado, nestes dias frios de junho, por uma anônima que este mesmo vento frio e terrivelmente airado friamente a desterrou, sem me permitir alegação em contrário, de 0 a 10, qual meu número favorito. Não cheguei a jogar os búzios, e falei: "Oitcho!".

A recepcionista sem crachá fez cara de não acreditar e replicou a pronúncia, desta vez em forma de surpresa: "Oitcho?!" "Sim, oitcho!", voltei a afirmar, e ela, de novo, "Oitcho?!". "Sim, oitcho!", "Oitcho?!" Assim se foram quase 10 minutos, oito indo, oito voltando. Estávamos começando a ficar repetitivos, então ela variou um pouquinho a pergunta: "Por que oitcho?".

Pensei oito segundos antes de responder, tentando elaborar uma mentira convincente. Afinal, eu sei que, de 0 a 10, oito não é o meu número predileto. Mas sempre achei, mesmo antes de minha alfabetização numérica, a pronúncia informal do número oito a mais bonita e eloquente de toda a álgebra.

"Porque...", e prolonguei a resposta por mais oito segundos, ao final do tempo regulamentar respondi: "Porque é um número radical, com pronúncia bonitinha, simetria angular, que parece o mesmo se girado 180 graus, sem falar que faz parte da sequência de Fibonacci".

Não sei se a anônima sabe quem é ou quem foi Fibonacci. Eu mesmo nunca tinha ouvido falar nem lido nada a respeito de Fibonacci, até ser, em matéria de pesquisa numérica, apresentado a ele pela Inteligência Artificial. Segundo a IA: "Fibonacci, cujo nome verdadeiro era Leonardo de Pisa ou Leonardo Pisano, foi um matemático italiano que viveu entre aproximadamente 1170 e 1250. Ele é mais famoso por introduzir a sequência de Fibonacci ao mundo ocidental, uma série de números inteiros onde cada número é a soma dos dois anteriores, começando com 0 e 1 (ou em algumas versões, 1 e 1)".

Li esse trecho acerca do Fibonacci antes do diálogo numérico com a anônima. Guardei bem esse nome, cuja pronúncia achei interessante, para algum dia mencioná-lo, quem sabe, em uma conversa formal com um matemático. Matemáticos formais, porém, aqui, há bem poucos, principalmente se comparado com o número espantoso de recepcionistas. De modo que as chances de diálogo com matemáticos, em relação a de com recepcionistas, e inversamente proporcional. Daí que lancei mão do nome esquisito no contexto da conversa informal.

Não sei dizer se a anônima achou o nome Fibonacci tão pronunciável quanto "oitcho". Não tive coragem de perguntar. Eu certamente não achei nem acho. Prefiro oitcho mil vezes oitcho, oitcho indo e oitcho voltando, virgula oitcho, ponto oitcho na escala Richter, menos Richter mais oitcho.