Paineira e suas ofertas

Todas as tardes Bento passava pela praça do bairro onde cresceu. Ali rememorava boas sensações. Era a praça onde nos tempos da adolescência se reunia com os amigos ao sair da escola, nas tardes de treinamento e aos sábados, para acompanhar o ensaio da fanfarra.

A paisagem já não é mais a mesma. Alguns bancos quebrados, canteiros enfeitados com sucata e folha seca. A grama não é aparada há algum tempo. Em meio aos sinais do abandono está a velha paineira do círculo central, que resiste ao descuido e às ações do tempo.

Ao redor da paineira Bento e seus amigos viveram bons momentos. Criaram canções, traçaram estratégias para as disputas do interescolar, admiraram as garotas-dançarinas da banda escolar; realizaram trabalhos em grupo. A coleção de lembranças era vasta.

No início da semana Bento notou movimentação atípica no estimado local. Enquanto voltava do almoço percebeu maquinários da prefeitura adentrando no espaço repleto de memórias, dando início a derrubada da velha paineira. Sem reação, sofreu calado, engolindo a horrível sensação de impotência, a mesma que o acometia levemente quando cruzava a praça e notava o desdém do poder público, mas nada fazia. Não tinha tempo. A vida adulta o sobrecarregava com tarefas cotidianas. Não sobrava tempo para lazer. Os amigos não se viam desde as férias de janeiro do ano anterior. O tempo bem aproveitado na adolescência hoje corre aos olhos e escorre pelos dedos no atropelo diário e em meio a obstáculos e desculpas causadas pelo “aconchego tecnológico”.

Amanhã vejo; sábado vou. Passam-se os dias; voam as semanas. E a vida segue, ganhando “novos” sentidos.

Bento e os amigos cada dia mais distantes, tanto quanto as memórias das prazerosas tardes na praça em frente a escola, sob a sombra da paineira, que agora dará lugar ao mais novo empreendimento da região: o Supermercado Paineira.