Entre Sem Bater - O Diabo

Karl Kraus disse:

"... o diabo é otimista se pensa que pode tornar as pessoas piores do que são ..."(1)

Admiro esses personagens, como Karl Kraus, que desafiaram a tudo e todos, cada um em seu tempo. Pensar é perigoso, verbalizar e escrever sobre pensamentos é muito mais perigoso. Kraus era independente de correntes literárias, o que torna o seu trabalho ainda mais precioso. A frase-chave que utilizamos neste texto está num livro como típico de mau humor. Mas porque diabos algo, inquestionavelmente real, pode ser mau humor?

O DIABO

Se os críticos e comentaristas da época o comparam com Juvenal(*), o satírico, isso significa que alguns comediantes deveriam ler mais. Observo, atualmente, alguns comediantes de stand-up e fico pensando como esses caras ganham dinheiro e ficam ricos. Surpreendentemente, podemos, a partir de outra frase de Kraus, ter o diabo da resposta.

"O segredo do demagogo é tornar-se tão estúpido quanto o seu público, para que eles acreditem que são inteligentes como ele.".

Ao adaptarmos e substituirmos demagogo por comediante da atualidade, teremos a perfeição. O diabo é que muitas pessoas manifestarão a sua indignação fazendo críticas a mim, sem reflexão(2).

O diabo é que tem muito comediante estúpido ficando milionário, o que é um sinal de que eles possuem um público imenso, igual a eles.

666 PALAVRAS

A princípio, é necessário não ter meias palavras e meias verdades para escrever sobre alguns assuntos, especialmente polêmicos. E não existe melhor maneira do que dizer verdades de forma satírica, irônica, sarcástica. Entretanto, perdemos  esta possibilidade quando as redes sociais criaram os emoticons. Em outras palavras, podemos expressar nossos sentimentos, mas a garantia de que o receptor da mensagem vá entender inexiste.

VERDADES E MALDADES

A afirmação de Karl Kraus sobre o otimismo do diabo é uma verdade desconfortável sobre a natureza humana. Vivemos num mundo onde as notícias frequentemente nos chocam com novos níveis de depravação e cretinice. É, com toda a certeza, fácil pensar que estamos testemunhando o ápice da maldade humana, #SQN. A história nos ensina, pelo menos deveria, que a capacidade do ser humano para o mal não é uma novidade. Estas maldades estão sempre em ascensão - sempre estiveram presente - e Karl Kraus morreu antes de ser uma vítima delas.

A cada dia, recebemos manchetes que nos fazem exclamar “nunca imaginei que veria isso” ou “quando a gente pensa que já viu de tudo”. Essas frases refletem nossa hipocrisia cristã(3), num simulacro de surpresa e descrença diante dos atos de crueldade e maldade. A cada notícia ou factoide que pulula das páginas dos jornais e telas de televisão, a hipocrisia aumenta e a verdade diminui.

Mas essa surpresa e manifestações nas redes sociais realmente se justificam?

Ou será que estamos apenas recusando aceitar uma verdade mais sombria sobre nós mesmos?

FIGURA DIABÓLICA

É provável que a palavra diabo esteja presente em todos os idiomas e línguas, representando somente uma coisa: o mal.

Kraus sugere que o diabo, uma figura simbólica de tudo que é ruim, seria otimista ao pensar que poderia piorar a humanidade. Isso implica que a maldade já existe dentro de cada um de nós, não precisa de uma influência externa, mas elas contribuem muito. A realidade é que as pessoas podem ser terríveis sem a necessidade de um empurrão demoníaco.

A maldade é uma escolha, e muitos escolhem esse caminho por conta própria, ou por seguir algum demagogo, coach ou influencer.

Na atualidade, parece que expressar surpresa e choque, não é reconhecer e nos responsabilizar pelas crueldades que apoiamos. Há uma tendência em distanciar-se dos atos ruins, atribuindo-os a “outros” - aqueles que consideramos diferentes de nós. No entanto, essa negação coletiva apenas perpetua o ciclo de maldade. Enfim, falhamos em reconhecer que qualquer um de nós é capaz de cometer atos horríveis sob certas circunstâncias.

E, surpreendentemente, utilizamos, muitas vezes, as palavras dos outros, para concordarmos e apoiarmos aquilo que nos representa.

MÍDIA E COMEDIANTES

A princípio tenho muitas restrições a comediantes que utilizam de preconceito e qualquer outra forma de maldade para viverem da comédia. E, sem dúvida, isso vem de muito tempo quando alguns comediantes abusavam de parodiar homossexuais, negros e outras minorias. Separar estes demagogos do sarcasmo é fácil, mas será que cada um de nós quer mesmo fazer isso?

Como se não bastasse as coisas serem desfavoráveis, a mídia desempenha um papel crucial nessa percepção e avanço sem limites. Desta forma, ao destacar os atos mais hediondos, ela pode inadvertidamente criar a impressão de que tais eventos são anormais. Outrossim, são apenas manifestações extremas de uma capacidade para o mal que todos possuímos. Isso não significa que todos agiremos de acordo com essa capacidade, mas é importante reconhecer sua existência.

A frase de Kraus nos desafia a olhar para dentro de nós mesmos e a reconhecer nossas próprias falhas e tendências negativas. Em vez de expressar surpresa a cada nova atrocidade, talvez devêssemos refletir sobre nossos comportamentos. Somos uma pequena parte de como as estruturas sociais, culturais e políticas contribuem para esses atos. Assim sendo, também revelam o que podemos fazer para promover a bondade e a compaixão em nossa sociedade.

Por exemplo, quando um político eleito, com seu voto, sobe numa tribuna e faz declarações homofóbicas ou racistas, você é responsável.

Acreditem, este trecho do texto tem 666 palavras.

PERDEMOS !

Desse modo, meia, meia, meia pode significar alguma coisa para muita gente, ou nada, depende da crença ou do mito de estimação. Algum leitor ou leitora haverá, com toda a certeza, dizer que misturo alhos com bugalhos, mas é tudo um bagulho só. E isso não é mau humor, é somente humor sarcástico.

Em suma, a maldade humana não é uma novidade, está aumentando e numa constante vertiginosa. O verdadeiro otimismo, talvez, pode  existir na crença de que, apesar dessa capacidade para o mal, também temos alguma capacidade para o bem. E é nessa possibilidade que devemos focar e nutrir, assumindo a responsabilidade por nossas ações. Quem sabe um mundo, ou ao menos grupos pequenos na sociedade, onde exista a bondade prevaleça sobre a maldade.

Curiosamente, ainda haverá leitores que não entenderão. Seja pelo abandono da leitura após o título ou por exigirem alguma legenda ou explicação da piada.

 "Amanhã tem mais ..."

P. S.

(*) Pensadores antigos não sofriam muitas críticas pois não havia Internet e os ignorantes opositores destruíam seus trabalhos. Não aceitem serem vítimas da "Lei do Engano"(4).

(1) "Entre Sem Bater - Karl Kraus - O Diabo" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/06/07/entre-sem-bater-karl-kraus-o-diabo/

(2)  "Entre Sem Bater - Kobe Bryant - Reflexão" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/11/17/entre-sem-bater-kobe-bryant-reflexao/

(3) "Hipocrisia Cristã e Redes Sociais" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2018/03/30/hipocrisia-crista-e-redes-sociais/

(4) "Entre Sem Bater - Jacques Abbadie - Lei do Engano" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/05/09/entre-sem-bater-jacques-abbadie-lei-do-engano/