A desligada
A desligada
Januária era uma menina espevitada, como diziam seus pais. Na verdade, ela era bem desligada de tudo o que girava em sua volta. Sapeca como um rapaz: rodava pião, jogava bolinha de gude, jogava futebol e fazia todo o tipo de estripulia.
Como aconteciam todas as tardes, certo dia em pleno inverno, vento frio, foi à casa da avó, brincar com o primo Márcio.
Resolveram fazer uma fogueira. Pegaram galhos de árvores, jornais, lata de margarina vazia e uma garrafa de álcool, e atearam fogo. Um detalhe, o chão onde esse circo foi armado era o piso da edícula da avó. Depois que o fogo conseguiu pegar, os dois foram brincar de bafo com as figurinhas de futebol. Esqueceram totalmente da fogueira, só lembraram quando sentiram o cheiro de queimado.
Correram e foram apagar o fogo com o resto que sobrou da garrafa de álcool. O estrago até que foi pequeno diante do perigo. Januária ficou de castigo por uma semana.
O pai de Januária era um influente político e lhe arrumou um emprego na capital. Ela foi trabalhar num órgão do governo da área de agricultura. Fazia trabalhos de secretária, apesar de bater à máquina somente com dois dedos. O chefe um dia lhe perguntou:
- Januária, não tirastes o primeiro lugar no concurso?
Ela bem tolinha:
- Não seu Arantes, a máquina trancou e eu nem bati o meu nome.
Certo dia, o Arantes, enquanto arruma a peruca sobre a careca reluzente, lhe entregou um processo de umas 100 folhas para que ela conferisse as propostas de fornecimento de adubo para os agricultores do Estado. Cinco minutos apareceu a Januária diante dele:
- Chefe aconteceu um acidente, derramei cafezinho no processo.
O homem deu um berro e ela, assustada, correu para o banheiro com o processo na mão, abriu a torneira para lavar as folhas manchadas. Até hoje não se sabe quem foi o ganhador daquela concorrência. Sabe-se, entretanto que Arantes viciou-se em leite, pois dizia que trabalhando com aquela moça, sua úlcera poderia se transformar em câncer.
Quando ela recebeu seu primeiro salário, ficou toda feliz, abriu uma conta no banco e, dois dias depois, tirou todo o valor que tinha na conta. Com o talão de cheques que recebeu do banco, começou a passar cheque para comprar as novidades que via nas lojas. O simpático caixa do banco, conhecido dela, ligou para a Januária.
- Januária querida, onde está o dinheiro de teu salário?
- Está no meu apartamento. Por quê?
- Você continua passando cheques? Como é que sem fundos o banco vai pagar?
- Ele não paga? Perguntou a ingênua jovem.
Hoje ela está com mais de trinta anos e quando encontra o caixa, o rosto enrubesce, pois o cara sempre pergunta:
- Januária, já sabes trabalhar com cheque?
Tenho mais uma dezena de causos para contar com essa personagem. Vou contar mais um, que acho o máximo.
O restaurante da empresa onde ela trabalha oferece o almoço na bandeja. Ela pegou a o objeto para colocar os alimentos, serviu-se de arroz, feijão e quando o nutricionista foi lhe servir a carne, perguntou:
- A senhorita não quer um prato para servir a carne?
Foi só então que ela percebeu ter colocado o arroz e o feijão direto na bandeja.
Januária hoje está casada. O marido já se acostumou com as extravagâncias. No primeiro verão que desfrutaram juntos, no apartamento novo, tudo teria sido maravilhoso, se não fosse por um contratempo: o ventilador. Eles haviam comprado um ventilador que levantava o pescoço para cima e para baixo.
Como já disse, era começo de vida em comum e, portanto, poucos móveis eles tinham. O ventilador foi instalado no chão, aos pés da cama. O telefone estava instalado na sala e a sirene estridente assustava Januária. Onde quer que ela estivesse, ao ouvir a sirene um sobressalto a impelia ao mesmo.
Naquela tarde, de intenso calor, Januária e o marido deitaram-se para curtir uma soneca com o ventilador ligado. Uma hora depois o Graham Bell tocou e Januária, rapidamente, levantou-se da cama e deu um salto para atender o aparelho.
Quando levanta o fone do gancho, já haviam desligado. Voltou ao quarto e encontrou o marido de pé, vestido apenas de cueca, fulo da vida.
- Sua desmiolada, veja o que fizesses com o ventilador.
O aparelho quebrou a parte do pescoço e hoje só ventila para baixo.
Certa vez, saindo do trabalho, ela pegou uma carona com uma amiga, Cristina, que a levou até defronte do prédio onde Januária morava. Cristina precisava muito de uma revista de tricô que ela possuía e queria aproveitar para também bater um papo, tomar um delicioso café, etc. Chegaram à porta do apartamento e, Januária começou a rebuscar, na bolsa, a chave.
Derramou no chão tudo que tinha na bolsa e nada. Esperaram até o marido chegar. A chave estava em cima da mesa da sala, onde ela deixara, quando saíra para o trabalho.
Cristina entre chateada, compreensiva e brava ficou das 5 às 8 da noite sentada na frente do prédio. Mas o pior estava por acontecer: Januária não encontrou a revista e, só muito mais tarde, depois de se esfalfar procurando, lembrou-se de que havia emprestado para uma prima.
Januária tem um péssimo costume: ouvir a conversa dos outros.
Como mora em apartamento, seu passatempo ficou mais frequente, pois as paredes são coladas e brigas entre casais são constantes. Do banheiro ela podia ouvir as permanentes desavenças de um casal. Para ouvir melhor ela pegava um mocho, subia e colocava o ouvido na janela. Azar o dela. Escorregou, foi de encontro ao do banheiro e se estatelou no chão e se estatelou no chão. Ficou estática, já que o barulho tinha sido grande e ouviu o comentário de seu vizinho briguento:
- Mataram alguém.
Quando o marido chegou, Januária estava andando toda torta.
E ele:
- Subisse no banquinho novamente?
Vou narrar a saideira desta crônica.
Ela levou um colega de serviço até o apartamento para que fizesse a sua declaração de Imposto de Renda. Lá chegando, oferece uísque, ao amigo. Quando foi servir o uísque, conseguiu quebrar o copo na garrafa e os cacos caíram bem na cabeça do colega.
Nervoso, ele correu para o banheiro para tirar os pedaços de vidro que ficaram entranhados no cabelo. Enquanto ele está no banheiro ela teve a infeliz ideia de ligar para a esposa do colega, que ficou uma semana de cara virada para o marido. Jamais acreditaria na história. Só quem a conhecesse bem de perto seria capaz de acreditar.
Aroldo Arão de Medeiros
08/02/01