A casa caiu!

A casa caiu!

Comprei um terreno para poder dar conforto à minha futura esposa. Sobre aquele pedaço de terra já estava erguida uma casinha de madeira, sem tapa-juntas, com uma pintura que me deixava alterado psicologicamente a cada vez que olhava para ela: lilás.

Enlouquecia, mas o antídoto para a pseudodoença era o pensamento positivo de um dia derrubá-la e construir outra no lugar, de alvenaria. Ficava um pouco aliviado quando olhava para o terreno vizinho e via a casa onde moravam duas pessoas.

Uma senhora sexagenária e a filha que aparentava uns dezoito anos. O imóvel, também de madeira, estava caindo aos pedaços. Ficava afastado da casa, num cubículo de madeira, o aposento com o vaso sanitário e uma pia. Começava aí a grande diferença. Pelo menos na minha casinhola o vaso estava anexo à cozinha. E era de alvenaria.

A pintura do meu casebre, como já disse, era horrível. Mas na da vizinha, que mais parecia uma cabana degringolada, a pintura inexistia. A madeira que não era de lei, provavelmente era bem arruaceira, tinha tons de podre, se assim podemos nomear a cor de burro quando foge. Na frente de casa um pé de acerola nos presenteava todo ano com boa quantidade de frutas. No terreno da Velha Maluca, assim eu a chamava sem que ela soubesse, é óbvio, havia um abacateiro que até rendia uns saborosos frutos. O pé era bem mais velho que a senhora e os frutos foram diminuindo e a quantidade de folhas que caíam no meu terreiro, aumentando. O abacateiro chegou a dar dois filhotes, que não cresceram mais de um metro. Nunca deram sequer um abacate, por menor que fosse. Mas distribuíam suas folhas amareladas em meus domínios. Custei a perceber que os abacateiros morriam a cada dia que passava. Não demorou muito para o abacateiro tombar seco e, no tombo, derrubar seus rebentos.

A filha noivou, casou e se mudo para longe. Ficou somente a Velha Maluca e um cachorro desdentado e pulguento.

Depois de eu ter reformado minha choupana, quando ela já era uma casa nova, de alvenaria, pintada com uma cor discreta, diariamente eu acompanhava o declínio da outrora considerada casa da vizinha. A Velha Maluca eu pouco via, cheguei a suspeitar que ela desaparecera.

É provável que morrera sem eu saber, porque certo dia, enquanto eu sorvia um copo de tubaína na varanda, escutei um barulho dos diabos no terreno ao lado. Era a casa da velha maluca que havia ido ao chão. A casa caiu!

Agora o terreno da Velha tem outra serventia: é um depósito de para-choques de carro. A distribuição das peças sobre o pátio não segue qualquer ordem ou classificação, estão jogados ao chão de qualquer jeito e, imagino, jamais alguém fez limpeza naquele terreno. Tornou-se um criadouro de ratos e baratas que insistem em galgar o muro e passar para o meu lado. Estou até craque no assassinato desses animais horrendos.

A vida de meu primo foi bem diferente da minha. Cursou faculdade de engenharia e em seguida fez pós-graduação em empreendimento, ou administração, ou um treco lá em inglês que eles chamam de “business”, sei lá. Empregou-se numa organização que presta consultoria em negócios. É um excelente profissional.

Sabe as respostas certas para quem quer abrir uma micro ou pequena empresa. Quando o empreendimento cresce, ele continua dando assistência e muitas vezes o faz por conta própria, nos finais de semana e à noite. Os homens de sucesso não querem somente dinheiro, eles também querem diversão. Esse meu primo, o Paulo, carrega consigo uma diminuta caderneta com nomes e telefones de moças que trabalham como profissionais do sexo. Guardava bem escondido o livrete de apontamentos, sempre tomando todo o cuidado para que ninguém sequer desconfiasse da caderneta. Mas a vida tem lá suas fatalidades, mesmo com os homens de sucesso, e o Paulo um dia esqueceu-se de retirar a caderneta quando colocou a calça para lavar e a esposa a encontrou. Desconfiada, ligou para três das profissionais e como uma esperta detetive conseguiu o depoimento de que o marido também fazia uso dos serviços prazerosos. A casa caiu!

Ele foi obrigado a sair de casa, abandonado pela esposa e pelos filhos. Sem rumo, desencontrou-se, andou triste muito tempo, perdeu bastante dinheiro. Custou a coordenar novos projetos, pois perdera a segurança. Apareceu-lhe psoríase, doença que se manifesta quando a pessoa tem problemas psicológicos. A casa dele também ruiu como a casa da Velha.

Nos finais de tarde eu fico aqui na varanda bebendo lentamente meu refrigerante, me imaginando um filósofo, enquanto meus pensamentos divagam por esse mundo de Deus. E concluo que a única casa que jamais vai cair é a do porquinho Prático, porque as do Heitor e do Cícero também vieram abaixo.

Aroldo Arão de Medeiros

19/01/2015

AROLDO A MEDEIROS
Enviado por AROLDO A MEDEIROS em 06/06/2024
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