VENDE-SE UMA PRAIA
Minha praia tem cinco hectares de areias alvas e está cercada de arame farpado por todos os lados, exceto do lado Leste, pra onde se estende um marzão a perder de vista.
O feliz adquirente terá direito ao Sol - ou, por outra, a um guarda-sol à sombra de um coqueiral ou mesmo de algum edifício de quarenta/cinquenta andares ali pertinho, tipo favela de ricos.
À noite, terá direito à lua e a um motel a céu aberto sobre colchões de areia fria.
Garantimos que os guardas da segurança não deixarão nenhum curioso passar ali por perto. Pagamento à vista, mas poderá ser rachadinho em prestações a perder de vista, com taxas de juros variáveis conforme as ondas ou tábua das marés.
Asseguramos que a área negociada estará, doravante, livre do pagamento de laudêmio (5% do valor negociado), dinheiro que antes, quando a titularidade era da União, corria para os cofres do Tesouro Nacional.
Afirmamos que o uso desta - e de todas as praias da extensão litorânea do país - não é mais permitido ao conjunto bagunceiro da sociedade, o que garante a tranquilidade dos que assumirem a nova titularidade desta minha, toda minha, somente minha praia.
- "Quem dá mais!?... Quem dá mais!?"... Vá lá, pague e nade. Em praia pública, ninguém nada mais!
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Em tempo:
Um senador da República está tentando modificar o seu projeto de privatização das praias, tornando-as privativas (particulares) e públicas (do povo) ao mesmo tempo. Com certeza, só os tolos acreditam.
- "Ó, senador, cadê o bom senso? Sua proposição ou é língua ou é beiço!... Ou as praias são públicas (conforme já era para os indígenas antes do descobrimento, passando pelas Capitanias Hereditárias, reconfiguradas pela Lei de Terras de junho/1850), ou são de propriedade particular. Misturar "alhos com bugalhos" é tentar driblar a população veranista do nosso país. Sabemos que o Direito, dentro do sisrtema capitalista, identifica claramente o que é um bem público (destinado ao usufruto do conjunto da sociedade) e o que é um bem particular (comum ao casal de proprietários e aos filhos, portanto, sujeito a meação e herança)".
- "Ah, sim, eu ia esquecendo!... Você, senador, é formado em Direito, né?!. Estranho, não?!!"...
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Outra coisa:
A Lei de Terras, de junho/1850, beneficiou os grandes posseiros de terra da época (inclusive os que as adquiriram à força, a partir daí, e se tornaram grandes latifundiários. Suas crias continuam aumentando os latifúndios herdados - aquisições igualmente gratuitas - nas regiões do cerrado, pantanal, amazônica e agora, como se não bastasse, em toda a orla marítima. Quer dizer: Os futuros donos de nossas praias nada vão pagar pelo bem adquirido. Vão ganhá-las de presente, agora, acho que no dia dos namorados.
A Lei de Terras deu um prazo de quatro anos para que os então posseiros regularizassem as "suas" posses junto às paróquias. Esse prazo, somente cumprido pelos cafeicultores do Sul, terminou estendido até 1920 (ultrapassando a Abolição da Escravatura e a Proclamação da República). A essa altura, desde 1889, as regularizações passaram a ser feitas junto aos cartórios imobiliários criados e distribuídos por afilhadismo pela oligarquia dominante. "Negros, não!". E os negros, no início escravos e depois semiescravos, na mendicância, subservientemente abaixaram suas cabeças...
Negros, mesmo alforriados, não tiveram a mínima chance de regularizar algum terreno que eventualmente possuissem e pudessem se tornar proprietários.
Quando veio a Abolição, nada lhes foi dado como indenização, diferentemente do que ocorreu nos EUA, em 1865, onde Abraão Lincoln decretou a obrigatoriedade de os proprietários de escravos os indenizarem com TERRA, GADO e NUMERÁRIO.
No dia seguinte, os ex-escravos se tornaram cidadãos norte-americanos.
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Enfim:
Optar pela privatização de nossa orla marítima é o mesmo que concordar com o latifúndio do oportunismo (em que venceram os mais fortes) implantado no país desde a "antiética" legalização de terras ocorrida a partir de junho/1850. Digo melhor: é o mesmo que concordar com a grilhagem e a semiescravidão que nunca cessaram em nosso país.
A boa intenção do Império beneficiou sobretudo os mal-intencionados.
Os grileiros e suas crias, juntos agora com os milicianos, não mudaram a metodologia empregada nos velhos tempos. Em termos de exploração territorial gratuita, tudo continua como antes, i.e., com os mesmos de antes.
Em nossas praias públicas todos se banham - pretos, brancos, quilombolas, indígenas, brasileiros, estrangeiros... -, o que fortalece e caracteriza muito bem a nossa empatia, nossa tolerância e nossa convivência democrática com todos os nossos semelhantes. A praia nos une: surfistas, veranistas, nadadores, navegadores e pescadores.
- "Ó, senador, o Congresso do qual você participa, é o único poder, no momento, que desrespeita o nosso benfazejo e harmonioso regime democrático. Prepare-se porque, desta vez, o povo vai reagir".
- Chega!...
Agora vou me banhar e me amostrar ali, não gratuitamente, numa praia particular de nudismo ...
Vamolá, gente?!!...
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