"Se tenho medo da morte? Não. Ela não é uma figura mitológica de estética terrorista que faça bambear as pernas.

Pra falar a verdade, essa característica de mistério que carrega em si, é imprescindível para humanidade. Qual a garantia da existência de um outro lado?

Tenho receio mesmo é de morrer. Morrer é verbo. E como todo verbo, requer ação, movimento, omissão, fenômenos naturais ou sentimentos. É como se dependesse de mim o domínio, nem que seja na porção da irracionalidade.

Então morrer deve ser uma catástrofe interior de inércia. Todos os verbos de ação e ligação reunidos, em sincronicidade perfeita, param! A mando de quem? Que controle é esse?

Morrer é parada obrigatória em via de mão única, sem nenhum movimento.

Morrer é status de vulnerabilidade socioemocional. Quem nunca morreu que o diga... "

 

 

Criada num seio familiar de orientação religiosa católica, acompanhei de perto, e como agente ativa, os ritos e dogmas de uma crença milenar transferida de pai pra filho.

 

Havia na saudosa matriarca da família paterna um quê simbólico tão inerente que era improvável não reconhecer o quão católica era e como se prendia às raízes dos ensinamentos.

 

Desde o cumprimento por meio da benção com o uso das mãos como fonte de troca energética até mesmo o sinal da cruz, diante de uma igreja.

 

Tudo era milimetricamente controlado pelo olhar reprovador daquela santa mulher.

 

Devota de diversos santos e consagrada às denominações marianas, às quais rendia graças, diariamente, através da recitação do rosário completo. Havia uma, em especial, que fora, inúmeras vezes, a grande causadora de insônia infantil noturna e medo extremo: Nossa Senhora do Carmo (não rogai por mim, para os íntimos).

 

De acordo com a devoção à mãe de Jesus, todo aquele que usasse o escapulário e, mantivesse a oração diária do terço com jaculatória, seria agraciado com a antecipação da notícia de sua morte, como uma espécie de bônus para o arrependimento e aliança com Deus.

 

Orientada a manter a oração em dia, mesmo no auge do sono, e com o escapulario amarrado ao pescoço, fugia das respostas quando o nome Carmo aparecia, era um pavor imenso, a ponto de, após o terço, ajoelhar-me diante da imagem da santa e pedir desculpas por não ser adepta do que se propunha, sugerindo aos prantos, que agraciasse outras pessoas, com seu milagre.

 

Saber quando a morte viria não era uma notícia que me acalmava, ao contrário, me deixava em pânico.

 

Mas como o pavor acompanha o apavorado, vinha ela com suas sustentações orais (para além do tempo): quem em sã consciência seria capaz de prever a morte, preparar-se para ela e de "quebra" escolher o sepultamento?

 

- Nossa Senhora do Carmo, nada contra o seu valioso serviço prestado à humanidade católica. Sou sua fã, devota em partes. Quem diria... Uma mulher para alem do seu tempo! Mas se puder ser seletiva no pedido e, sendo bastante ousada, poderia me conceder a graça de morrer na ignorância?

 

- Mas, minha filha! E a sua salvação?

 

- Vai que Deus avalia meu altruísmo. Abrindo mão da graça, minha santa irmã! Isso não conta?

 

- O mundo está perdido... O mundo está perdido.. Tenha Misericórdia de sua filha, Senhor. Interceda por ela, senhora do Carmelo. Vamos rezar juntas, minha filha? Ave- Maria...

 

- Por favor, não...

Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 05/06/2024
Reeditado em 05/06/2024
Código do texto: T8079233
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