Não que tenha pretensões políticas de assumir a presidência do país da camisa verde-amarela -sequer me atrai a eleição de síndico- mas se a natureza me convoca, arbitrária, nessa "resenha", rendo-me à sua força de invocação da escuta (dessa não me furto) faço parte dos 3% da população mundial que ouve mais que o normal, então ao invés de receber votos ou pleiteá-los, como queiram, eu recebo histórias, e estas, me perseguem.

 

Não fosse o bom dia de locutor de rodeio do dono da padaria, ainda estaria em estado vegetativo transitório do pós-coma noturno, provocado pelo sono incompleto e insaciável -ando tão cansada que se me escorar na bolsa que carrego, conto ovelhas em círculo- nem mesmo as sessões de meditação têm sido suficientes. Quando penso que estou em plena selva amazônica, com a fauna e a flora que mereço, os gorilas viram pensamentos intrusivos e passam a arrancar as vitórias-régias que são arremessadas na minha cara, estou exausta pelas tentativas de fuga. Mas o problema é meu e o dono da padaria nada  tem a ver com isso:

 

- Bom dia, Clóvis! O bolo de aipim estava uma delícia! Só você para me salvar das intolerâncias da vida: sem lactose, sem glúten e sem açúcar! - dei aquele sorriso generoso! Queria poder dizer sem sabor e sem graça, mas graças ao meu pai, aprendi que quem expressa sem cuidado sua opinião não solicitada não é autêntico, mas sim, sem educação.

E por falar em falta de educação será que as pessoas cuja data de validade da carteira de identidade permanecem extintas por tempo indeterminado, aqueles que possuem acima de 80 anos, tem dispensa para manterem o nível mínimo de educação, podendo, sem nenhum filtro, dizerem o que pensam?

Lembro-me, recentemente, de uma vizinha que me pediu para levar o seu esposo ao médico porque estava impedida de dirigir por ter provocado um acidente grave com perda total do veículo quando trocou o acelerador pelo freio. Quando entrou no carro, veio com uma conversa que mulheres não deviam ter camionetes. Como não me preocupo com a opinião alheia e entendo que o preconceito é cultural, nem liguei. Mas minutos depois, sem freios na língua, soltou:

- Você dirige igual homem, entra em qualquer lugar, é rápida, faz baliza com uma mão...

Eu ri, mas de nervoso. Porém, tenho a certeza de que num futuro bem próximo, aquela serei eu, logo: silêncio!

- Mas era só o que me faltava. Nunca vi mulher em picape que morasse na cidade.

E os 70 km que separavam a cidade da capital foram de silêncio e provocacão. Até que o seu esposo, sábio, do alto de seus 90 anos, num suspiro libertador, pronuncia:

 

- É por isso que não uso o aparelho auditivo. Lembra que me perguntou? Depois de 60 anos tendo que conviver com uma vespa, parei de cutucar o ninho.

 

Foi aí que percebi que toda regra tem exceção e que sensatez é questão de personalidade.

 

Tudo isso pra ilustrar os doze minutos que, na fila do pão, aguardo minha vez, atrás de um senhorzinho, que insiste em pagar com pix, três reais de pão. Já disse a ele que o celular está em modo avião, mas, simplesmente me agrediu verbalmente, dizendo que tem 1000 vezes o valor, só na conta de aposentadoria. E olha que nem me ofereci pra pagar.

O Clóvis, coitado... Numa tentativa frustrada de resolver a questão disse que poderia passar, mas o homem, alterado, quis chamar a polícia por causa da discriminação contra idoso. E me nomeou testemunha.

Agora, estamos aqui: Clóvis, Sr. Pedro, Ten. Felipe e Sol. Ryan tomando um café e dando altas risadas. Parece piada, mas tudo terminou num sonho de padaria. Sem denúncia e com o Sr. Pedro dizendo que quer ser meu cabo eleitoral, pois seria uma ótima representante do povo. 

- Desejar-me uma bolada na mega-sena o senhor não faz, Sr. Pedro. Mas me colocar na cova dos leões o senhor quer, não é? Deus me livre!

Talvez o Sr. Pedro precisasse, apenas, de um pouco de atenção. E eu? De tempo! E só me resta "correr contra ele" porque de histórias a minha vida se enche! Queria mesmo era falar de "Bournout", mas não deu.

Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 05/06/2024
Reeditado em 06/06/2024
Código do texto: T8079148
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.