Monólogo da Neutralidade

Quando me perguntam sobre qualquer uma das artes que prático, que cultivei lentamente ao longo dos anos, sempre respondo que “vendi minha alma à três demônios para chegar até aqui”. Esta, obviamente, é uma frase metafórica, relativa ao esforço devotado a qualquer prática. Um devido comprometimento, de duração eterna, etérea, estendida por toda a perene vida de uma consciência única, sem nunca por completo poder se libertar. Uma verdadeira unicidade das mais únicas de cada ser.

Existe tormento maior que o de não se expressar em totalidade? Talvez comparado ao inferno, condenado eternamente por uma escolha inconsequente de devoção a Dionísio e não ao Eterno Ser que a tudo deseja, e a nada comanda. Não há para o além demônios fortes o bastante para tanto tormento, eis a necessidade de três. Mas até onde a moralidade monogâmica com a virtude da bondade se alinha com o impulso da realidade que nos segue a todos?

É a ética, amigos. A ética se inicia do princípio que o caminho da maior intervenção é sempre justificável se possui a maior pontuação no jogo de azar do que é determinado “bondade”. Vejo-me cínico cercado de cínicos. Cada ser humano julga no outro a mais egoísta besta já criada, e até a ação mais pura carrega consigo um desejo individualista, mesmo que do mais nobre tipo.

“Desejo ser herói.” “Desejo ser admirado como um ser que se alinha com a bondade.’ “Desejo reformar o mundo.” “Desejo cumprir meu papel”.” Cada desejo, cada vez mais sutil, carrega consigo o sutil peso de ser um desejo. Uma ilusão de controle num universo sem rédeas, uma resistência sufocada contra a correnteza estridente, uma ovelha inocente a ser comprada e abatida para o jantar de sexta feira. Uma realização, que mesmo de fundo de coração, continua individual.

E qual o problema? Qual o problema de carregar um peso no coração? De tê-lo mais leve que uma pluma, com a certeza iludida de que a virtude foi de tudo que bebera? Nunca! Então por que nos forçam a acreditar que do simples ato de sermos humanos somos os monstros mais distantes do que é “humanidade”. Insistir no mesmo erro, isso é desvio de atenção, mas aceitar as mudanças que a realidade nos sugere, independente da dor atrelada ou da recepção social, é parte de sermos os seres mutáveis que somos.

Que se abrace a neutralidade! Que se aceite dentro de si o mais profundo motivo para ser o que se é. Sua repercussão coletiva e individual, em cada momento único de ser um ser. Que se entenda o poder de existir pela beleza e feiura que existem no mundo, de maneira completamente ilusória, pois o belo e feio são relativos, o que os torna mais reais ainda. Que sejamos o que somos, hoje, agora e sempre.

Ariel Alves
Enviado por Ariel Alves em 05/06/2024
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