CAFÉ E PROSA COM A VISITA DE UM POEMA TRISTE

CAFÉ E PROSA COM A VISITA DE UM POEMA TRISTE

Um poema quis ser escrito ontem, mas não dei vida à ele. O pobre estava triste, quase abdicando de ser feliz, mas conversamos bastante...

Ele, muito inseguro a querer desaparecer numa folha qualquer de rótulo de vela... Eu, sem palavras...

Pedi sua companhia. Ele decidiu me seguir durante o dia cheio de chuva... Sentou-se no sofá e chorou: co-pi-o-sa-men-te...

Deu-me uma dó danada, mas tive que engolir meu choro e aliviar sua dor, dizendo que viver dá trabalho mesmo e que ele chorasse o quanto quisesse, mas tomaria uma bela xícara de café (tenho uma fé danada em café).

Emprestei-lhe uma echarpe e disse-lhe: Caiu bem em você essa cor... Ele sorriu ainda chorando. Disse-me que queria sumir da minha vida. “Poemas não servem pra nada Bete... A poesia não tem força contra a memória”... Eu sorri e respondi: Como assim? Você nem foi escrito. Ele riu...

Continuou a se dizer muito triste, porque percebe que os brutos acabam ficando na lembrança, os afetuosos não... “Os sentimentais são, ra-pi-da-men-te esquecidos Bete”... Calei-me. Não tive o que dizer diante daquilo (que também eu, por vezes, sinto...) e menti dizendo que ia até a cozinha pegar mais café.

Na cozinha pude deixar cair algumas lágrimas... Pude me dar ao luxo de chorar. Hoje em dia é luxo poder chorar. Umas lágrimas caíram no café e pude temperá-lo também (sem querer), com minhas lágrimas.

Quando voltei com o café (temperado com lágrima e açúcar), ele me olhou, deu um riso tímido e falou que estava bonita de saia florida: “Amo amarelo”, disse e deu uma grande golada.

Sorriu em seguida e confessou que aquele café estava tão gostoso, que lembrava os cafés de antigamente... “Quando era alegre e jovem”...

Lógico que não confessei que havia deixado cair lágrimas minhas nele, mas declarei que ali havia amor, e que certamente foi esse sabor que sentiu. Ele levantou-se, aparou a xícara na mesa e me abraçou tão grande e tão forte que até hoje sinto suas mãos apalavradas em minhas costas.

O choro é universal. O amor é universal. A insegurança, a dor... E tudo é muito frágil. Tudo...

Disse-lhe que aquele abraço foi o melhor abraço de todos os tempos! Ele sorriu. Depois se sentou e disse que estava cansado. Feito quando o coração está seco... Nossa! Que visão... O que lhe dizer então? Articulei que todos nós secamos, às vezes. Ou muitas vezes... Que a gente é que nem lagoa, às vezes seca... E contei-lhe que em frente de casa tem uma, que parece morta, mas quando chove, revive e vem um monte de sapo para coaxar a noite inteira, às vezes durante o dia. Ele deu uma grande gargalhada e me falou sorrindo: “Só você para me fazer gargalhar numa hora dessas”. E tomamos outro café, para brindar sua recuperação... E falamos depois sobre echarpes e roupas de frio. E marcamos um dia desses, escrever um poema triste, bem triste, mas bastante charmoso. Tão charmoso, mas tanto, que nem parecerá triste...

Solineide Maria

Luanda 03/03/2015

Solineide Maria
Enviado por Solineide Maria em 04/06/2024
Reeditado em 04/06/2024
Código do texto: T8078175
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