Entre Sem Bater - Império da Mente

Winston Churchill disse:

"... Os impérios do futuro são os impérios da mente ..."(1)

É provável que Winston Churchill seja uma das personalidade contemporâneas com o maior número de atribuições de citações falsas(*). São dezenas de frases e pensamentos que ele nunca sequer cogitou verbalizar. Por outro lado, muitos de seus discursos tiveram a intenção de manter seu império sob controle. Desta forma, a frase de um de seus discursos têm uma confirmação, reafirmação e premonição.

IMPÉRIO

Em primeiro lugar, não gosto de impérios, monarquias absolutistas e regimes autocráticos e ditatoriais. Desse modo, minha simpatia pelos pensamentos de Churchill, uma espécie de déspota de um império global, é diminuta. Certamente, Winston Churchill, foi um dos mais célebres estadistas do século XX e proferiu inúmeras frases verdadeiras, até nos dias atuais.

Por exemplo, em um discurso em Harvard, ele fez uma afirmação profética: "O império do futuro será o império da mente." Esta frase, ao mesmo tempo simples e profunda, destaca a importância do domínio psicológico e intelectual no mundo da informação. Certamente, a persuasão das pessoas sobre as pessoas, menos pelas ideias, são poderosas ferramentas de controle das massas.

Nos tempos atuais, o advento das redes sociais trouxe à tona uma nova forma de império. Uma forma de governo sem as fronteiras físicas, mas sim o domínio pelas ideias, crenças e narrativas que dominam a mente das multidões. Este império moderno forma-se e perpetua-se através de dogmas e crenças que se disseminam de maneira sutil e insidiosa nas plataformas digitais.

O poder de moldar opiniões, comportamentos e até mesmo identidades está agora nas mãos dos donos do império da mente.

IMPÉRIO DA MENTE

As redes sociais, como Facebook, Twitter, Instagram e Tik Tok, certamente são as arenas principais das batalhas ideológicas. Estas plataformas são os novos campos de influência, com seus algoritmos sofisticados que decidem o que aparece no feed de cada um. Desse modo, reforçam-se as crenças preexistentes e cria-se bolhas de informação. O fenômeno, que as redes chamam de câmara de eco, é um dos pilares do império da mente contemporânea.

Dentro destas bolhas, as pessoas recebem, repetidamente, conteúdos que reforçam aquilo que elas querem ouvir e concordar. Desta forma, fortalecem dogmas e absurdos desumanos, impossibilitando a abertura para perspectivas divergentes.

Os dogmas e crenças que dominam o cenário global variam amplamente, mas alguns se destacam pela sua penetração e impacto. Um verdadeiro império da mente forma-se, por exemplo, com a crescente crença em teorias da conspiração. Movimentos como o QAnon nos Estados Unidos ou os antivacina ganham milhares de adesões nas redes sociais, instantaneamente. Certamente, alimentam-se da desinformação e desconfiança nas instituições tradicionais, inclusive da mídia séria e investigativa. Estas teorias não apenas distorcem a realidade, mas criam uma base sólida de seguidores fanáticos. Estes integram um império de pessoas que é mais uma massa de manobra e agem, muitas vezes, com consequências perigosas para a sociedade.

SÉCULO DO EGO

Como se não bastasse, um profissional de convencimento, que agora chamam de publicitário ou marqueteiro, colocou fogo no mundo. A influência que a propaganda exerce sobre as pessoas ainda determina comportamentos como o egocentrismo e o consumismo(2). Temos, nos últimos cem anos, um consumismo além das necessidades e capacidades das pessoas. Adicionalmente, a promoção incessante de desejos inalcançáveis para a maioria, através da publicidade nas redes sociais, é cruel.

Em outras palavras, através do monitoramento constante do comportamento dos usuários, as empresas tornam-se um império do mal. As mídias atuais podem oferecer produtos e serviços com uma precisão assustadora, incentivando um ciclo interminável de consumo. Este comportamento agrava-se na posição dos influenciadores digitais, servos que recebem as migalhas do império. Eles, notadamente, recebem recompensas para promover um estilo de vida ideal, materialista e Distópico. O resultado é uma cultura onde o valor pessoal mede-se, frequentemente, pela posse de bens materiais.

Além disso, as redes sociais têm sido um terreno fértil para o crescimento do extremismo político, o que é maravilhoso para os imperadores modernos. Movimentos populistas e nacionalistas encontram nessas plataformas um meio eficaz para difundir suas mensagens e recrutar súditos. A capacidade de atingir um público global instantaneamente, e sem mediação, permite que ideologias extremas floresçam ou renasçam. Desse modo, não é surpresa que ocorra uma polarização crescente nas sociedades ao redor do mundo, digital e real.

Este fenômeno recrudesce com as campanhas de desinformação, sob coordenação de atores estatais e não estatais. A exploração da situação é, sem dúvida, uma forma de aproveitar das vulnerabilidades das plataformas para semear discórdia e desconfiança.

MERITOCRACIA

Nesse ínterim, um termo que surgiu após o auge de Churchill na política, aparece com força em qualquer império. Podemos afirmar que a crença na meritocracia, inclusive digital, também merece destaque e não é por motivos nobres. Muitos acreditam que a Internet, as tecnologias e as redes sociais democratizaram as oportunidades. Assim sendo, seria possível que qualquer pessoa, independentemente de sua origem, alcançasse o sucesso e reconhecimento.

No entanto, esta visão frequentemente ignora as desigualdades estruturais que persistem e até se ampliam no império digital. O acesso desigual à tecnologia e à educação digital cria um fosso entre a burguesia digital e a plebe. Surpreendentemente, conceitos como direita e esquerda, dignos de revoluções monarquistas, ganham falsa dicotomia na polarização.

Um dos dogmas mais insidiosos, com toda a certeza, é o culto à imagem e à perfeição, que déspotas e pregadores de púlpito disseminam. A pressão para se conformar a padrões irreais de beleza e sucesso promove uma crise de saúde mental(3), especialmente entre os jovens. A constante comparação com vidas, aparentemente perfeitas, causam ansiedade, depressão e baixa autoestima. A falácia da meritocracia amplifica-se pelos filtros e pelas ferramentas, que criam uma realidade virtual inatingível para a maioria.

IMPÉRIO DOS DOGMAS E CRENÇAS

Nesse cenário, dogmas, mitos e crenças se erguem como os novos senhores no império digital, comandando as mentes e corações de milhões. Ideologias fixas e imutáveis se espalham como vírus, alimentando a polarização e o extremismo. A verdade cede espaço à fé cega, e o debate construtivo se transforma em guerra de narrativas.

NARRATIVAS

Desse modo, destacamos as temáticas em que as narrativas auxiliam na formação de impérios da mente.

Religiões: As crenças religiosas, por vezes dogmáticas e excludentes, encontram nas redes sociais um terreno fértil para disseminação e recrutamento. Discursos de ódio e intolerância se camuflam sob a capa da fé, alimentando conflitos e divisões.

Ideologias Políticas: Partidos políticos e líderes populistas manipulam as redes sociais para propagar suas agendas. Podemos citar, por exemplo, ideias que se baseiam no nacionalismo extremo, xenofobia e preconceito. A informação se torna uma arma política, que aplica-se para demonizar o "outro" e consolidar o poder.

Teorias da Conspiração: O medo e a insegurança encontram nas redes sociais um espaço propício para o florescimento de teorias da conspiração. Informações falsas, versões e fantasias se propagam rapidamente, alimentando a desconfiança nas instituições e na realidade.

SEM CONTROLE

Por outro lado, as consequências são nefastas para a maioria da população e fogem ao controle de todos.

Polarização: A fragmentação da sociedade em grupos cada vez mais homogêneos e com visões divergentes impede qualquer diálogo. Desse modo, a polarização política e social se intensifica, criando um clima de tensão e instabilidade.

Violência: A difusão de discursos de ódio e intolerância traduzem-se na violência real, com ataques a minorias e o consenso inexiste. A desinformação e a manipulação da opinião pública contribuem para a radicalização de indivíduos e grupos.

Erosão da Democracia: O império das mentes ameaça, inquestionavelmente, os pilares da democracia. A liberdade de expressão se choca com a proliferação de discursos de ódio e a manipulação da informação. A confiança nas instituições e nos processos democráticos sofre corrosão pela desinformação e pela polarização.

ROMPENDO O CICLO

Churchill, em sua sabedoria, reconheceu que o futuro seria daqueles que conquistassem as mentes e os corações. É provável que ele jamais defenderia, abertamente, a tirania dos dogmas e crenças, menos para o império que ele manteve. Desta forma, para romper o ciclo da manipulação e da polarização, é necessário:

Educação Crítica: Incentivar o pensamento crítico e a capacidade de questionar informações, combatendo a desinformação e a proliferação de dogmas.

Alfabetização Midiática: Ensinar as pessoas a navegar pelas redes sociais de forma consciente e crítica, reconhecendo vieses e manipulações.

Promoção do Diálogo: Criar espaços para o diálogo construtivo entre diferentes grupos e visões de mundo, combatendo a polarização e o extremismo.

Regulamentação das Redes Sociais: Estabelecer regras para combater a proliferação de discursos de ódio, a manipulação da informação e a disseminação de notícias falsas.

A conquista do futuro, como preconizava Churchill, está acontecendo pela imposição de dogmas. Por outro lado, a liberdade de pensamento, abertura do diálogo e a disseminação da verdade são um império obscuro. Para resistir a esse domínio, é necessário um esforço consciente de educação, crítica e, acima de tudo, compreensão das experiências alheias. Somente assim poderemos aspirar a um futuro onde a escravidão mental(4) inexista e seja um campo de liberdade e não de opressão.

 "Amanhã tem mais ..."

P. S.

(*) Acredito que as frases de Churchill eram hipócritas e tinham objetivo de enganar seus súditos. Se ele era assim com os seus, o que diria para outros povos? Lamentável !

(1) "Entre Sem Bater - Winston Churchill - Império da Mente" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/06/03/entre-sem-bater-winston-churchill-imperio-da-mente/

(2) "Entre Sem Bater - Noam Chomsky - O Consumismo" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/01/21/entre-sem-bater-noam-chomsky-o-consumismo/

(3) "Os Alienistas e a Saúde Mental" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2018/02/04/os-alienistas-e-a-saude-mental/

(4) "Entre Sem Bater - Bob Marley - Escravidão Mental" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/06/18/entre-sem-bater-bob-marley-escravidao-mental/