DAS MINHAS VOZES
Algumas vozes que trago são mais ariscas do que outras, com tentáculos que atiçam cada elo, cada gomo, cada fiapo, cada nó. São vozes aguçadas de querer-bem, flertando com os anjos numa algazarra só. Elas guardam no seu bojo as rédeas dos homens, seus percalços e senões. Por vezes as desprezamos, como se fossem trapos sujos e malquistos. Como se fossem engasgos à toa ou, quem sabe, risos covardes se desprendendo da razão, dos ensejos solenes dessa casca. No entanto, pasme, virão delas os acordes que nos arrancarão das amarras repletas de inquietudes, tomadas pela falta de fôlego pela desembestada nudez de cada medo, de cada gozo. Nessas vozes desatinadas, acolhemos o que guardamos de mais sagrado, de mais absurdo, de mais fugaz. Nelas vamos nos recolher quando todas as águas secarem e a vida se cansar de entreter. Nelas iremos surrupiar alguns tecos de solidão para apaziguar as puídas sonatas de Deus, todas elas por certo. Então, remidos, faremos dela a fronha mais aquecida, rasgando seu útero as gotas de um renascer maravilhoso. Que terá a voz do universo encravado em cada poro, em cada pétala, em cada respirar.