A lição de Pedro Jorge

Segundo contam, havia numa cidade pequena, destas que tem duas ruas principais, aonde uma vai num sentido e a outra no caminho inverso, havia um comerciante comum, como em todo este país afora.

Era dono de pequena venda, dessas que vendem desde cachaça no balcão sempre limpo, até rendas francesas. Mas lugar pobre; não havia espaço para requintes.

O dono chamava-se Pedro Jorge, homem bom e simples, mas conhecido como o maior mentiroso do lugar. Era viúvo, cuidava de quatro filhos, e fazia o possível para mantê-los saudáveis e bem educados.

Até aí, não há nada de novo. Muitas e muitas histórias são assim.

Mas de nenhum modo, como a de Pedro.

Com a falta da mulher, tudo era dificuldade para o homem. Manter a vendinha, atendendo clientes amigos e outros chatíssimos, controlando os estoques e fechando o caixa ao final do expediente, ninguém pode discordar: dá trabalho. Isto sem falar no cuidado da casa, sempre impecavelmente limpa e arrumada. Uma empregada cuidava destes afazeres, mas a comida era por conta de Pedro.

Cozinhava bem e havia ensinado aos quatro filhos a difícil arte de manter o corpo alimentado, mas sempre com pratos bastante saborosos.

“Seu” Pedro não tinha muito que reclamar. Se não lhe restava fortuna, dinheiro para o essencial também não faltava. Era conhecido na cidade toda, como não poderia deixar de ser.

Contava suas potocas durante a noite, quando os fregueses se reuniam para um último golpe de pinga. Disfarçadamente, mas todos viam, Pedro Jorge também tomava suas talagadas, copo escondido em baixo do balcão. E toque contar mentiras. Dizia ele que a montanha mais alta do lugar, onde o granito sobrava, era sua.

A mentira reiterada acaba por se tornar verdade. Certo dia apareceu na venda um tipo que não era da cidade. Foi direto ao assunto.

- Disseram que o senhor é o proprietário daquela montanha. Desejo comprar.

- Não tenho interesse em vender. Vai dinamitar tudo, para a exploração de pedreira. Vai enfear a cidade. Não tenho interesse.

- Mas vamos explorar do lado que não aparece. A cidade não ficará feia.

- Isso você diz. Quando a montanha for sua, arrebenta tudo. Sem negócios, meu amigo. E não estou com a papelada em dia. Ainda não tenho o registro.

- Resolvo isso com facilidade, seu Pedro.

- Não duvido. Mas como eu disse, não está à venda.

O homem dirigiu-se ao cartório de registro de imóveis. Não, não constava que a bela montanha fosse de propriedade de Pedro Jorge, mas sim da prefeitura do local. Como bens públicos só são vendidos com autorização legislativa, e em caso de interesse da comunidade, o comprador foi-se embora.

A montanha, para todos os efeitos folclóricos, continuava a pertencer a Pedro.

Chegou a época das festas dos Santos. A loteria de São João, federal, só pagava melhor quando do sorteio do Natal.

Um bilhete, inteiro, sobrou na vendinha de Pedro. Foi o premiado.

Modesto, sem nunca lidar com tanto dinheiro, entregou-o todo a um sobrinho, negociante de café.

Os dois primeiros meses deram um excelente lucro. Depois, com a baixa internacional dos preços, Getúlio mandou queimar a safra.

Os amigos de Pedro estavam consternados. Ele perdera tudo.

- Não sei como você mantém este sorriso, Pedro.

- Ué, não entende por quê?

- Perdeu uma fortuna. Não liga para isto?

- Perdi?

- Ora, Pedro! Claro que perdeu. Ficou sem o segundo maior premio da federal.

- Perdi nada. Veja lá: comprei roupa nova para mim e meus filhos. A casa está perfeita, foi toda melhorada. Melhorei a venda, como você está vendo. Perdi o quê?

- O dinheiro da loteria, Pedro!

- Não perdi nada, já expliquei o que fiz dele. Muito bom uso. E a montanha continua sendo minha. Não vendi ao explorador de pedras.

Tem gente que é assim, como Pedro Jorge.

Na verdade, ele não perdeu nada.