Laços de família
Cada dia que me vejo no espelho, mais me pareço com minha avó. Sorte a minha. Quisera eu ter toda a força que ela tinha. Mulher guerreira, de muita disposição. Eu não tenho tanta. Tomara que um dia eu seja como ela.
Lembro-me bem dela, uma mulher de baixa estatura, mas com uma presença que enchia qualquer cômodo. Seu sorriso era tão marcante quanto suas mãos calejadas, resultado de anos de trabalho duro na lavoura e na casa. Suas histórias, contadas ao cair da tarde, tinham o poder de transportar-nos para tempos de dificuldades, mas também de uma resiliência que parecia inquebrantável.
Minha avó, Maria do Carmo, ou simplesmente Vó Carmem para nós, acordava antes do sol nascer. O café quentinho e o pão caseiro nos esperavam na mesa, como uma espécie de abraço matinal que só ela sabia proporcionar. Era uma mulher de poucas palavras, mas de muitos gestos. Sua força não estava apenas na habilidade de cuidar da casa e da família, mas na maneira como enfrentava a vida, sempre com a cabeça erguida, mesmo diante das adversidades.
Cresci admirando sua capacidade de transformar o pouco em muito. A simplicidade da sua vida nunca foi sinônimo de escassez, mas de abundância em amor e cuidado. Cada costura, cada prato preparado, cada conselho dado, tudo carregava um pouco de sua alma generosa. Às vezes, me pego tentando replicar suas receitas, mas nunca consigo fazer o bolo de fubá com o mesmo sabor. Talvez o segredo estivesse em algo que não se pode medir ou ensinar: o carinho de suas mãos.
Hoje, ao me olhar no espelho, vejo traços dela em mim. O contorno do rosto, o formato dos olhos, até algumas rugas que começam a aparecer. É como se a presença dela se mantivesse viva em cada detalhe refletido. Isso me consola e me inspira. A coragem que me falta, a disposição que às vezes se esvai, tento buscar na lembrança de como ela enfrentava o mundo.
Não tenho a mesma força, admito. A vida moderna me impõe desafios diferentes, menos físicos talvez, mas igualmente desgastantes. As responsabilidades profissionais, a correria do dia a dia, as incertezas do futuro. Às vezes, me sinto tão pequena diante de tudo isso. Mas lembro da minha avó e da sua inabalável determinação.
Quisera eu ser como ela. E talvez, de alguma forma, eu já seja. Não na completude de sua força, mas no desejo de seguir adiante, de ser um pilar para os que me rodeiam, assim como ela foi. Se há algo que aprendi com minha avó, é que a verdadeira força não se manifesta apenas nos grandes atos heroicos, mas na constância do cuidado, na perseverança diante das pequenas batalhas diárias.
Tomara que um dia eu seja como ela, completa em sua simplicidade, grandiosa em sua humildade. Enquanto isso, sigo aqui, me descobrindo e me redescobrindo, tentando honrar o legado que ela deixou, e que agora vejo, refletido no espelho, faz parte de mim.