UM POUCO DE TUDO EM UM PINGO DE NADA.

    Eu tenho quarenta e dois anos, o meu aniversário é no dia da mentira, sempre foi um privilégio fazer aniversário no dia da mentira, na época da escola, quando então outros colegas eram alvos de ovos e farinha, eu passava ileso, pois nunca acreditavam quando dizia que era o meu aniversário. Eu tive apenas duas namoradas, casei-me com a segunda já na altura dos vinte e poucos anos. Quanto a primeira, não foi das melhores experiências, namorada da minha adolescência eu era um jovem de dezesseis anos, ela com dezenove, rolou uma traição, terminei tudo. Ela era muito bonita, atenciosa, porém, infiel.

    Quando eu cheguei em São Paulo, aos doze anos, um mundo novo se descortinou para mim. Caboclo do mato, interior de Minas, São Paulo revelou-se ao primeiro olhar qualquer coisa de outro mundo, com prédios enormes, avenidas gigantes, semáforos, buzinas, congestionamento, pessoas de todos os lados, a rodoviária parecendo um formigueiro. Por um momento, ao descer do ônibus com o meu avô materno, fiquei anestesiado, boquiaberto. No entanto, não era na capital que eu moraria, meus familiares residiam no interior paulista, cidade pequena, menos da capital, um pouco mais parecida com as cidades do interior mineiro, me senti mais confortável.

    Os primeiros anos foram diferentes, para não dizer dificílimos. O meu avô arranjou um emprego para este jovem aventureiro, meio período no mercado de um dos tios. Eu estudava de manhã, trabalhava depois da escola até às dezenove horas. No trabalho e na escola veio a primeira grande barreira, a língua, o sotaque mineiro arrastado, para mim, completamente normal, aos ouvintes, era engraçado. Todos queriam puxar assunto, não porque eu era bom de conversar, pelo contrário, as pessoas queriam mesmo era me ouvir falar, dar risada, tirar sarro, enfim, com o tempo passei a conversar menos até ao ponto de não falar nada e responder o mínimo possível.

    Eu nunca tive muitos amigos, na verdade, poucos, menos que os dedos das mãos. Eu me fechei para as pessoas, a mudança drástica de cultura, por assim dizer, aliado ao desafio de trabalhar com um público exigente no mercado do meu tio, trouxe alguns traumas. A todo momento era alguém fazendo piada, tirando sarro, eu simplesmente me fechei. Comecei a ficar depressivo, morando com os avós, longe dos pais e irmãos, lentamente a depressão me pegou pela garganta. Foram tempos difíceis, ao ponto de pensar com relativa insistência em tirar a própria vida.

    Foi aí que surgiu um porta de escape, as palavras, poesia, livros, textos, o mundo da literatura e das artes me ajudou a não naufragar. Me agarrei com todas as forças as palavras, dizeres, versos, enfim. Nasceu o poeta, o cronista, o romancista. Mais do que uma paixão que ardente no peito, escrever era questão de sobrevivência. Eu sei que poucos entenderam ao lerem essa crônica, no entanto, esse é um pequeno relato de minha vida, de como eu encontrei a literatura, ou melhor, fui resgatado. Muitas outras coisas aconteceram nesse período, fiz apenas um apanhado resumido da vida desse catador de palavras, talvez em outro momento em vos revele mais. A minha vida se resume em um pouco de tudo em um pingo de nada.

Tiago Macedo Pena
Enviado por Tiago Macedo Pena em 02/06/2024
Reeditado em 02/06/2024
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