AFILHANDO
Filhos são frutos suculentos, cobiçados, plenos de brilho, gosto e texturas.
Vêm como o troco do gozo, por vezes de uma derrapada num chão qualquer.
Vê-los romper a casca terremotiza o respirar, o suar, o entender, o ter.
Vê-los como criaturas que nos surrupiaram a alma, disseca o coração.
O tear da vida lhes vai forjando rostos, trilhas, ciladas e arrepios,
vai dizendo a que vieram soletrando verso a verso,
vai revelando o que trouxeram na cartola e coleira vento a vento.
Filhos são rasgos na razão, nos vinténs que regem cada querer-bem,
são cruéis ribanceiras nas quais nos dependuramos numa bêbada estrepolia,
são fardos de asas puídas transformando o nosso gigante em algodão-doce.
No seu colo jogamos o mais robusto tempo, a mais esfuziante rima,
no seu colo refastelamos as vértebras da solidão, do desdém, do talvez,
no seu corpo derramamos um néctar derradeiro, sem eco, sem par.
Até que um dia que os avistaremos depois da décima montanha,
os veremos num gargalho alucinante, cuspindo no prato comido com gosto,
se fazendo de rogado, de bobo-da-corte, de ralo rendido.
Então só nos restará recolher o rabo, passar um pano nas lágrimas
e se arrepender de terem nascido.