Reflexões sobre um chiclete mastigado
Escapou o chiclete de melancia que estava em minha boca diretamente ao chão. Sua cor rosada logo se misturou com toda a imundície da rua. A goma, que tinha um tom vibrante e singelo, caiu entre poças de lama, água sabe-se lá de onde, pedaços rasgados de papel e folhas mortas do outono. Em questão de segundos, a cor rosada do chiclete foi absorvida pelo ambiente, transformando-se em um marrom acinzentado que se camuflava perfeitamente com a sujeira ao redor.
Foi então, ao olhar para aquele pedaço de goma de mascar que me vi refletido nele, uma estranha dissonância entre a doçura do sabor e a aspereza de um mundo já tão indiferente. No chão, o chiclete tornou-se uma metáfora da minha própria existência: algo outrora prazeroso agora perdido, diluído na sujidade do cotidiano.
As folhas mortas do outono, desfeitas em sua fragilidade, deixavam claro que minha vida estava passando sem cerimônia. Os papéis rasgados, fragmentos de histórias alheias, misturavam-se à lama e à água, criando uma colagem de destroços urbanos. Talvez seja isso que todos nós somos, pensei: pedaços de memórias, sentimentos e esperanças, jogados e pisoteados na pressa de uma cidade que não para.
Senti um aperto no peito, como se cada detrito da rua carregasse um pouco da minha própria solidão. E o chiclete, agora irreconhecível, era um lembrete pungente da efemeridade dos momentos doces e da inevitabilidade de seu fim. Ali, no meio daquela confusão, compreendi que até mesmo a beleza é capaz de se perder na sujeira, mas ainda assim, de alguma forma, persiste em seus vestígios, esperando ser redescoberta.
Mas a ironia não me escapou: no fim, não passamos de chicletes mastigados, sem lugar, sem propósito, largados na sarjeta até que alguém, sem querer, nos pise de novo. Sorri de canto, ciente de que talvez a graça da vida esteja justamente nessa tragicomédia: em sermos efêmeros e, mesmo assim, tentarmos adoçar o amargor do mundo com nosso sabor passageiro.
Continuei caminhando, deixando para trás a goma esmagada e minhas divagações. Talvez a sujeira da rua fosse mesmo inevitável, mas, ao menos, ainda podia descartar um novo chiclete e saborear outra doçura, mesmo que por um instante. Porque, no fundo, a vida é isso: mastigar, descartar, e seguir em frente, procurando, entre a imundície, os pedaços de nós que ainda têm gosto.