Quando uma Tiktoker Estadunidense Viralizou Machado de Assis

Na era das redes sociais, onde cada segundo de atenção é disputado a tapas e memes, uma nova heroína emergiu. Não estou falando de uma jovem revolucionária ou de um intelectual brasileiro, mas de uma norte-americana. Sim, uma yankee, dessas que não sabe diferenciar samba de bossa nova, mas que, em um golpe de sorte, topou com Machado de Assis em uma esquina virtual mundo afora.

Tudo começou quando Courtney Henning Novak, uma influencer estadunidense do TikTok conhecida por seus vídeos sobre literatura contemporânea (leia-se: best-sellers americanos), decidiu variar seu conteúdo. Com um filtro charmoso, ela apresentou ao mundo "Memórias Póstumas de Brás Cubas", de um tal Machado de Assis. "Guys, vocês têm que ler este livro incrível do autor brasileiro Machado de Assis. It's so profound!" - exclamou.

Em poucos dias, o vídeo sobre o Bruxo do Cosme Velho viralizou e o livro se tornou um best-seller da Amazon. O que era apenas mais um clássico da literatura brasileira, ignorado nas estantes das quase extintas livrarias, transformou-se em um fenômeno de vendas. O livro, antes relegado às aulas entediantes de literatura no ensino médio, agora era o "must-read" da temporada.

Enquanto os estadunidenses compravam a obra, os brasileiros voltavam a comentar sobre o romance machadiano. "Você já leu 'Memórias Póstumas de Brás Cubas'?", perguntavam uns aos outros, como se nunca tivessem ouvido falar daquele autor. "Claro, Machado de Assis, um gênio, um precursor do realismo!" – respondiam, agora com orgulho e um certo ar de superioridade. Afinal, se uma gringa aprovava, devia ser bom de verdade.

E Novak continuou a conquistar corações e mentes, sem saber que, em meio a elogios e agradecimentos, reforçava um velho complexo de vira-lata. Os brasileiros, em sua busca por validação externa, redescobriam um autor que sempre estivera ali, à espera de ser lido e apreciado. Precisaram de uma garota do norte para lembrar-lhes que, às vezes, a genialidade está bem debaixo do próprio nariz.

Não há problema nisso, afinal de contas, Tom Jobim precisou ir aos Estados Unidos para cantar com Frank Sinatra para a bossa nova ser reconhecida mundialmente e por nós. Como dizia Raulzito, a solução é alugar o Brasil. Então, nas aulas de ensino médio e com a reforma do ensino médio, vamos dar aulas em smartphones onde alunos assistam vídeos virais de quatro minutos em que Novak explique as características literárias de Drummond e Rosa - os adolescentes serão mestres em literatura brasileira.

Vamos regravar os sambas de Roberto Ribeiro numa versão lounge e cantadas por Bruno Mars. E como já estamos vendendo várias riquezas nacionais a preço de banana desde o governo Fernando Henrique Cardoso, vamos levar adiante a brilhante ideia de parlamentares bolsonaristas de privatizar nossas praias. Como somos incompetentes nos negócios, seremos uma nova geração Coca-Cola (como cantada por Renato Russo) - vamos convidar a multinacional do veneno preto do capitalismo para gerir as praias potiguares e transformá-las em uma Ibiza para que jovens europeus e estadunidenses venham instagramar nossas belezas naturais. Vamos convidar novamente a rainha do pop, Madonna, para vir ao país. E em suas piruetas em palco ao lado das talentosíssimas Anitta e Vittar, dar pitacos sobre a política brasileira e isso se torne conteúdo universitário em aulas de sociologia.

Vivemos o complexo de vira-lata cunhado pelo dramaturgo Nelson Rodrigues, que é um mal-estar coletivo no país, uma autodepreciação que nos faz sentir inferiores frente ao estrangeiro. É como se, ao olhar para o espelho, víssemos sempre um cão sarnento, sem dono, ao invés de um bravo cão de raça. Ele nos faz crer que nada que vem daqui presta, que só seremos alguém se tivermos um selo de aprovação estrangeira. Desvalorizamos nossa cultura, esperando sempre a validação de fora.

Ao pensar no romancista realista, autor que me despertou para o mundo literário na adolescência, que foi tema de minha monografia e leitura que sempre revisito, imagino ele observando a situação e dizendo: aos gringos, a minha obra; aos brasileiros, a aculturação.

01.06.2024

Dennis de Oliveira Santos
Enviado por Dennis de Oliveira Santos em 01/06/2024
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