Cotidiano laboral

Confrontando a situação de outrem à pessoal, encontra-se uma maneira de conformação, quando aquele jaz em apuros, em condição inferior e sofrível.

Sem desperdício com paramentação religiosa, aproveitando os lances da existência em que se situe, no cotidiano de afazeres materiais, em decorrência do labor vulgar, depara-se com situações em que é possível estudá-las e praticar a espiritualidade, esta não equivalente à humanidade de desencarnados, mas referente à qualidade que cada um possui (ou deveria possuir).

Não mais que a área da saúde para favorecer neste sentido.

Então, aquela senhora, a muito custo, afiançou a possibilidade: deixar o tronco ereto, mesmo sentada, face a tantas dores que sentia na região cefálica, em virtude ter sido atingida com uma garrafa, sob ameaça de perder a vida, pelo ex-marido, assim que libertado da cadeia.

Desfiando o seu rosário espontaneamente, de desventura, tecido no jogo aleatório de combinações fortuitas, a mulher sofrida, após conviver com o seu verdugo, foi pelo rompimento da relação, ao que ele não quis.

Mãe de uma filha aos cuidados da psiquiatria, o atual companheiro não lhe era pai, não obstante a negação de conflito, como sói nestas relações complicadas; portanto, nada a ver com a sua decisão de não mais querer-lhe a companhia.

Entre altercações, idas e vindas, do diálogo truncado, desarmônico, a ela sobrou hematomas no corpo e a alternativa, que ela não descartou, de queixar-se ao poder judiciário na delegacia especial da mulher.

Detido, por isso, o ex-apenado cumpriu a promessa logo após ter saído da prisão.

Esta pobre senhora, olhar vago e perdido sem atinar solução, deixou-se radiografar, aliviada pela notícia da exclusão de fragmentação de tecido ósseo no tórax e na cabeça.

Ela deixaria o recinto imediatamente. Consigo levaria problemas... Afinal, o que fazer? Denunciá-lo-ia novamente? A promessa de matá-la, provavelmente, cumpriria. E a sua filha em tudo dependente, apesar da maioridade civil... A quem recorrer enquanto sozinha... No mesmo endereço, presa fácil de ser achada...

O serviço solicitado fora concluído.

Entregues as radiografias, na maca, ela seria deslocada, vagando a sala para o paciente seguinte, entre tantos!, que seria evocado.

Na alma, aquela impotência para advogar e resolver-lhe o dilema, autêntico drama existencial...

O serviço não poderia estagnar.

Na antessala, outros pacientes aguardavam com sofreguidão e ansiedade.

Ao vivo em cores de um realismo fantástico ou natural, os desfiles das ocorrências adversas são ininterruptos, marcando o tecido sutil da alma ao longo de sucessivos anos, oportunizando o aprendizado e a compaixão, educando o Ser no educandário da visão humana.

Faculta ao profissional na saúde o descarte das inutilidades: a vaidade, a ilusão, a tanatofobia, a exigência, a isenção.

Pode amadurecê-lo, se der azo ao crescimento de sua humanidade ou espiritualidade, com o aconchego ou aproximação à divindade.

A inserção do Ser na alma da realidade ajuda-o no avanço e quebra da continuidade das cercas e proteções a fim de evitar o seu encontro com o que está, com a natureza, com a verdade.

Verdade: o eterno motivo da peregrinação de cada um.

Seraphim
Enviado por Seraphim em 01/06/2024
Código do texto: T8076109
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