Entre Sem Bater - Idiota Feliz

Tati Bernardi disse:

"... vence quem passa por esta vida rindo. E se o preço que se paga por ser um pouco feliz é ser um pouco idiota, dane-se! ..."(1)

É provável que seja uma das tarefas mais difíceis escrever sobre frases para autoras como Tati Bernardi. Em outras palavras, explico, ela escreve para mulheres jovens e o papo quase nunca vai em direção ao outro gênero. Certamente, ela deve ser bem criativa e poderia nos brindar com frases mais comuns a todos os gêneros.

IDIOTA

Alguns temas, palavras-chave e termos que utilizamos na série "Entre Sem Bater" carregam questões emblemáticas que provocam a ira de muitos. Assim sendo, para um mesmo tema do texto, podemos angariar apoio e compreensão e, ao mesmo tempo, atrair opositores raivosos.

Falar sobre como uma pessoa pode ser um idiota feliz exige, inquestionavelmente, que esta pessoa possua alguma reflexão sobre o conceito de idiotia(2). Repararam que a diferença adicional de uma letra (i) pode passar longe até da leitura de muitas pessoas? Reconheço que muitos leitores não passam a leitura além dos destaques e subtítulos. Este comportamento é, por exemplo, pernicioso para que possamos evoluir em qualquer debate,

Com toda a certeza, um idiota feliz se sentiria um ser supremo utilizando o pensamento da pensadora Tai Bernardi. A frase, atribuindo algum tipo de "vence na vida" quem é um idiota feliz é, sem dúvida, assustadoramente fantasiosa.

A FANTASIA DO IDIOTA FELIZ

Vivemos num mundo em que a fantasia(3) mistura-se com a realidade, e o sonho das pessoas, na maioria fantasias, passa longe de qualquer felicidade.

É provável que a frase "... Não dá para sonhar e ser feliz ..." (*) seja bastante esclarecedora para mostrar alguma coisa aos sonhadores. Entretanto, a maioria das pessoas ainda seguem pensamentos como a preclara Tati Bernardi, e seguem felizes.

FANTASIA E REALIDADE

Na era digital, as redes sociais se tornaram a vitrine das nossas vidas, fantasias e máscaras exibem o que há de melhor em nós mesmos. No entanto, essa exibição esconde mais do que revela, criando uma contradição palpável entre a realidade e a fantasia, entre os sonhos e a felicidade.

Em meio a essa dicotomia, a frase de Tati Bernardi surge como uma falácia que ilude e vicia as pessoas que buscam alegrias efêmeras.

As redes sociais são, por isso, a representação que objetiva mostrar uma versão idiota de nossas vidas, algumas miseráveis e falsas. Fotos com muita edição e filtros, momentos com seletividade e sorrisos falsos criam nas postagens uma narrativa de felicidade contínua. Contudo, essa narrativa esconde as lutas, as inseguranças e as tristezas que todos enfrentamos. O resultado é uma pressão constante para se adequar a um padrão inatingível de felicidade, levando muitos a sentirem-se menos idiotas.

FELICIDADE IRREAL

Momentos felizes existem, com toda a certeza, mas nem sempre estão nas redes sociais. A felicidade destes ambientes digitais é, frequentemente, uma construção, uma fantasia, que pouco tem a ver com a realidade. Essas narrativas sobrevivem pela necessidade de validação e aprovação das outras pessoas, com as mesmas necessidades e carências. Desta forma, cria-se um ciclo vicioso de busca por aprovações, comentários e compartilhamentos hipócritas.

A frase de Bernardi, nesse contexto, é, infelizmente, uma justificativa para essa busca incessante pela felicidade superficial. Ela sugere que cada um deve ser "... um pouco idiota ...", ou seja, superficial e desatento às profundezas da existência humana. E, como se não bastasse, indica que '... é um preço aceitável ..." a pagar pela sensação fugaz de felicidade.

Essa visão, no entanto, é uma perigosa falácia, que ainda utiliza do "apelo à autoridade" que não passa de discurso de rede social. Com toda a certeza, não encontraremos a felicidade nas coisas superficiais ou nos sorrisos democráticos e falsos. Pelo contrário, a autenticidade e a aceitação das próprias imperfeições podem nos dar mais tranquilidade e paz. Adicionalmente, a capacidade de enfrentar e superar os desafios da vida são muito mais difíceis quando palavras genéricas e vazias proliferam.

DEPENDÊNCIA MENTAL

Nossa sociedade moderna criou uma dependência mental perigosa, especialmente quando se criam mitos nas redes sociais. A proliferação de pensadores, coaches e influenciadores de 280 caracteres beira a tipificação de um crime.

Além disso, a dependência nas redes sociais para a sensação de felicidade acarreta em efeitos prejudiciais à saúde mental. Estudos sociocomportamentais indicam que o uso excessivo das redes sociais associa-se a fatores como ansiedade e depressão. Por isso, as pessoas comparam suas vidas reais e suas falhas, com versões ideais da vida dos outros que aparecem nas redes. Essa comparação constante leva muitas pessoas a experimentarem sentimentos de inadequação e baixa autoestima.

A frase de Bernardi também ignora o fato de que a busca incessante por felicidade superficial nos afasta de experiências e relacionamentos importantes. Como se não bastasse, ao nos concentrarmos tanto em parecer felizes para os outros, negligenciamos as conexões com as pessoas ao nosso redor.

Esta condição de dependência recebe atenção de alguns poucos, ao contrário do que fazem os influenciadores que estimulam e ganham com isso. É uma situação que, enfim, parece não ter controle ou condição de mudança. E, para piorar, aqueles que, por outro lado, são céticos ou buscam mostrar alguma realidade, tornam-se pessimistas e inoportunos.

ESTOICISMO

A vertente dos realistas ou estoicos encontra no pessoal da fantasia ou felicidade fugaz, uma espécie de haters do realismo.

Certamente, as redes sociais criam uma ilusão de que a felicidade está constantemente ao alcance, quando não está. A imagem de que todos os outros estão vivendo vidas perfeitas e sem problemas é ilusória. Poucos estão com a verdadeira felicidade superficial, e a maioria não fica se exibindo nas plataformas digitais.

Certamente, pensadores e falaciosos alimentam a crença equivocada de que qualquer sentimento de tristeza ou insatisfação é uma falha pessoal. Eles imaginam que, ao esconderem as próprias falhas e insucessos, omitem que errar ou fracassar é uma parte natural da experiência humana.  Desta forma, afirmamos que qualquer situação de felicidade não é um estado constante. Outrossim, são emoções que vem e vão, assim como a tristeza, a raiva e a alegria, e com níveis diferentes e típicos de cada um.

Reconhecer e aceitar essa realidade é um ato estoico, fundamental para uma vida mentalmente saudável.

NEGAÇÕES E DISTORÇÕES

Portanto, enquanto a frase de Tati Bernardi pode parecer uma mensagem otimista e libertadora à primeira vista. Entretanto, ela (a frase) na verdade contribui para perpetuar uma visão de distorções da realidade.

Vivemos em um mundo onde a negação, das dificuldades ou das contrariedades, em prol de momentos de alegria superficial é enorme. Nas redes sociais, a fantasia e o negacionismo se apresentam como realidade e realização de sonhos. Contudo, é crucial lembrar que não passam de opinião e muitas das vezes mentiras inomináveis e cruéis. Por outro lado, é na autenticidade, nas reais experiências humanas e na conexão com os outros e consigo mesmo que avançamos.

Em suma, as redes sociais escondem mais do que mostram, criando uma contradição entre a realidade e a fantasia. A frase de Bernardi acaba por enganar as pessoas ao sugerir que a felicidade encontra-se na superficialidade do riso idiota.

Enfim, é provável que esta frase seja um pouco da experiência de Tati Bernardi em ser "... um pouco feliz...".

 "Amanhã tem mais ..."

P. S.

(*) A frase está presente na narração do personagem principal da obra de não-ficção que tem o título "Bebê Rena" (Netflix). Não tenho, absolutamente, nada a dizer sobre a pessoa autora da frase (Tati Bernardi), mas alguns de seus pensamentos são de lascar o cano. É provável que os adoradores destes pensamentos não gostem muito de refletir e pensar, mas é o que nestas redes. E que ninguém venha dizer que "... mas você não entendeu a frase ..." ou que estou sendo arrogante. O entendimento e este texto são de minha integral responsabilidade e não preciso ser idiota para ter lampejos de felicidade.

(1) "Entre Sem Bater - Tati Bernardi - O Idiota Feliz" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/05/31/entre-sem-bater-tati-bernardi-o-idiota-feliz/

(2) "Idiotia - Um conceito que não assimilamos" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/05/08/entre-sem-bater-edward-snowden-fantasia-e-realidade/

(3) "Entre Sem Bater - Edward Snowden - Fantasia e Realidade" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/05/08/entre-sem-bater-edward-snowden-fantasia-e-realidade/