PIMENTA NOS OLHOS DOS OUTROS É REFRESCO

 

   Era manhã em um lindo dia de feriado em minha cidade.

   Mais precisamente era o Dia de Corpus Christi.

   Que, embora não se tratava bem de um feriado nacional, contudo era ponto facultativo em várias empresas.

   E como quase todos aderem em função de sua data tradicional, pode muito bem ser confundido, como um feriado no país inteiro. Sim, como um feriado nacional.

 

   Dirigi-me a uma padaria próxima a minha casa, pouco após a alvorada, e, embora já tinha feito o meu desjejum, ainda assim quis me dar a vaidade de tomar um cafezinho acompanhado de um delicioso pão de queijo. Sentei-me ao balcão e n’aquel’hora (e naquele lugar) me acomodei.  

 

   Oh! É verdade!

   Sabe aquelas pessoas às quais se dá a entender que nasceram para incomodar as outras?

   Sim, aquelas mesmas que na gíria popular recebem o nome de “malas sem alça”, ou simplesmente “malas”?

 

 

   Pois é!

   E não é que eu fui o “premiado” naquela manhã co’uma delas?

   Isso mesmo, quando então um desconhecido senhor se dirigiu a mim naquele instante, e tomou a liberdade de se assentar ao meu lado para conversar (ou me "alugar", o que melhor eu diria)!

 

   Ah! É como me vem à cabeça, onde às vezes eu penso estar sendo uma vítima daquelas produções na televisão a que se fazem com câmeras escondidas, onde as pessoas são provocadas, a fim de testar suas reações. Sim, para "tentar tirá-las do sério".

 

   E eis como foi:

 

   - Mais um feriado prolongado a se ter agora. O Brasil não merece isto. - E assim começou a sua prosa aquele senhor, embora, a princípio, achei que falava em tom de brincadeira (mas, não!).

 

   - O senhor não gosta de feriados? – Perguntei a ele.

 

   - Se eu não gosto? Eu simplesmente detesto feriados, pelo tanto que eles comprometem a economia o país. – Dizendo-me, então, e com um tom furioso.

 

 

   - Mas não seria bom que as pessoas dessem uma pausa de vez em quando em seu trabalho? – Ao que coloquei o meu ponto de vista, embora ainda acreditando que ele estava apenas brincando.

 

   - Meu prezado senhor, o Brasil tem feriados por demais, já bastando o Carnaval, onde todo o país para por causa de uma festa pagã e onde o que mais se vê é uma pouca vergonha em tudo.

 

   E naquela hora eu percebi que ele não estava brincando. Isso mesmo, estava falando sério. Todavia, tentei convencê-lo de que em outros países também há muitos feriados. E vejam bem qual foi sua resposta:

 

   - Os países mais ricos do mundo são os que têm menos feriados, tais como os Estados Unidos, a Alemanha e o Reino Unido, razão pela qual a “economia” deles supera em muito à dos demais.

 

   - Meu caríssimo senhor, achas então que o trabalhador não merece um descanso a mais? – Perguntei-o, então, e confesso que começava a perder minha paciência.

 

   - Trabalhador que aprecia um feriado não passa de um vagabundo pelo que ele não deseja melhorar o PIB (produto interno bruto) do país. Vejamos bem, uma fábrica de automóveis, por exemplo, certamente poderia dar aos cofres públicos bem mais se houvesse menos feriados. E quer saber mais? Acredito que quem criou tantos feriados foram as pessoas “da esquerda”, estes tais que estão acabando cada vez mais com o Brasil.

Entenda bem, meu amigo: feriado não é bom para o país, nunca foi. E repito: só vagabundo é que gosta de feriados. É como dizia Jô Soares: “No Brasil, quando o feriado é  religioso, até ateu comemora”.

 

 

   E naquele exato momento percebi se tratar de um militante “conservador”. Sim, destes orgulhosos que se proclamam nacionalistas e “da direita”. E então tomei a liberdade de lhe perguntar:

 

   - O que faz o senhor? Trabalhas em quê?

 

   Ao que ele me respondeu, e com a maior cara de pau (sem nenhuma vergonha):

 

   - Tenho 57 anos e sou aposentado, graças a Deus! Sim, eu me aposentei há pouco tempo, porém antes das novas regras criadas pelo Governo (para extender ainda mais o tempo de serviço do trabalhador). Fiquei com medo de não poder me encaixar nelas, ao que corri para conseguir o benefício da aposentadoria. E o que eu mais faço agora é assistir televisão e jogar damas e baralho com meus amigos (também aposentados). Afinal, eu mereço descansar depois de tudo o que eu fiz e me sacrifiquei pelo meu país (que eu tanto amo).

 

   Ao ouvir aquilo foi então que eu engasguei com o meu café, e querendo saber onde estariam as “câmeras escondidas”. Sem dúvida aquilo só podia ser uma "pegadinha de televisão". Só que não...! E cocei a cabeça a lembrar aquele velho e conhecido ditado: "Pimenta nos olhos dos outros é refresco". 

 

 

30/05/2024

 

IMAGENS: FOTOS PESSOAIS