PERDEU MANÉ!
Lanço singelo olhar ao silêncio na manhã de céu cinzento e chuva fina, sem o marulhar de asas nem o ir e vir das folhas. Ele telepaticamente me responde ensurdecedor e embaralha os pensamentos em meio a sentimentos e lembranças. "A vida nos obriga a fazer os mais ignóbeis malabarismos", o sibilar castrato do vácuo parece afirmar. Ou talvez foi a voz do meu vazio. É que tem momentos quando tudo da alma e do coração se mistura e os olhos choram.
A imagem turva vinda da janela embaçada me olha de volta e novamente escuto algo sem saber de onde, que grita aos meus ouvidos " tudo ao seu redor pede ela ao seu lado! " Eu quase explodi num brado rouco "sim, é isso mesmo!", porém contive o impulso, alguém por acaso ouviria espantado o eco do meu clamor e talvez pintasse uma ideia errada e desmiolada do que se passa no meu instante.
Mas o silêncio insiste no diálogo impossível sacolejando as cortinas do apartamento com seu berro estridente e zombeteiro dizendo " perdeu mané, não amola!" Isso reverbera subliminarmente em meu intelecto averso a frases abjetas da espécie. Certo, perdi sim, mas por que também o adjetivo pejorativo " mané "? Ademais, amolar é humano, é inerente a nós seres pensantes o esbravejar.
Preferi desviar as reflexões para quimeras loucas e românticas, porque essas pelo menos não são mal educadas. Levantei, notei o recuo da chuvinha, abri a janela e me pus a sonhar vislumbrando o horizonte.