Querem reinventar o calendário

Querem reinventar o calendário.

Depois de tantos séculos e eras, era só o que faltava.

Consta que um rei romano, tal de Rômulo, na total falta do que fazer, estipulou que o ano tinha dez meses. Isso explica o nome de alguns meses (setembro, sétimo mês; outubro, oitavo; novembro, nono; dezembro, décimo). Bastou o rei morrer para que seu sucessor, Numa Pompílio, invejando a invenção do outro, fizesse uma gambiarra no calendário, esticando-o para doze meses.

Como na vida nada se cria, tudo se copia, Júlio César pegou a ideia do Pompílio (que por sua vez pegara a ideia do Rômulo), fez um remendo aqui, tirou alguns excessos e sentenciou que o calendário tinha 365 dias.

Quinze séculos depois, um assessor de assuntos insignificantes do Papa Gregório XIII percebeu que o calendário estava matematicamente errado. Não vale a pena entrar em detalhes, mas o fato é que esse apontamento do assessor em nada mudaria os rumos da história. Contudo, o cara devia ter algum prestígio. Tanto que o calendário foi modificado pela derradeira vez.

Se bem que tentaram fazer uma cirurgia plástica recente no calendário. Em 1902, para ser mais claro, o inglês Moses B. Cotsworth sugeriu a criação de um décimo terceiro mês. O motivo beira o suprassumo do egoísmo: ele procurava uma maneira de organizar mais facilmente os livros de registro da empresa onde trabalhava, o que era complicado com meses quebrados e dias variantes.

Sinceridade: o universo está pouco se lixando com essas frankensteinizações do calendário. Sol, Lua, Marte, Vênus, Júpiter e companhia continuam a girar livres, descompromissadas e indiferentes aos achismos dos pensadores pseudointelectuais da Terra.

As noites sempre serão fascinantes e misteriosas, mesmo que os meses sejam alongados ou abreviados. Há quem queira se casar sob a complacência da noite. Há quem deseje perfazer (ou se desfazer de) alguns pensamentos durante o cair da seiva orgânica da noite.

Do mesmo modo, há quem prefira se comprometer com a sensibilidade explícita das manhãs. Há quem prefira colher (ou escolher) as imprudências saborosas durante a frutificação das horas vespertinas.

Gosto de todos os tempos do tempo. Gosto de ver os aviões disputando corrida com os anjos durante a noite, gosto de ver o vento participando da partida de vôlei na praia ao meio-dia, gosto de ver a moça com seu brega vestido de oncinha desfilando em plena selva de pedra depois do almoço, gosto de ver a suburbana, metida a madame, aguardando a pizza brotinho, sentada na cadeira de plástico, bebendo vinho suave (como se fosse um Château Cheval Blanc da vida), no rodapé da meia-noite.

Assim como o universo, não estou nem aí para os arranhões que os sábios (você leu certo) deixam na pele do tempo.

Eles têm sorte. O tempo não faz inimigos. Por muito menos, eu faria.

Acabei de ler uma placa colorida, bonitinha, informando a respeito de uma festa junina que vai começar logo mais. Hoje é 28 de maio.

Uma festa junina em maio. Festa maína.

Que vai se estender até setembro. Festa setembrina.

Em outubro vão surgir os primeiros enfeites de Natal nas lojas.

Em dezembro vão começar a vender as fantasias de carnaval.

Em fevereiro o coelho da Páscoa deve aparecer em algum camarote na Sapucaí.

Em abril devem anunciar as festas juninas-abrilinas.

O mal de algumas pessoas é não deixar o tempo em paz.

Elas têm sorte. O tempo não pode reagir. Se pudesse, certamente teria explodido esse planeta azul há tempos. E nós ficaríamos vagando no universo sem horas, sem datas, sem décadas. Até que seríamos atraídos pelas estrelas. E nelas nos transformaríamos.

E lá, entre as zilhões de constelações, ficaríamos parados. Em silêncio. Aprendendo a contemplar a sinfonia silenciosa do tempo, regido pelo Cosmos.

Barão do Subúrbio
Enviado por Barão do Subúrbio em 28/05/2024
Código do texto: T8073653
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