FRAGMENTOS DA ALMA
Despedaçam-se de mim fragmentos emocionais quando escrevo, assim como a pele das cobras envelhece, cai e é substituída de tempos em tempos por. A comparação pode parecer esdrúxula, mas é apenas questão de similitude, isto é, na escrita nos desprendemos igualmente das coisas velhas grudadas no corpo e na alma no intuito de conquistar diferentes perspectivas. Ou simplesmente para vê-las sumindo na poeira das palavras.
No entanto ao contrário dos ofídios, cuja troca de pele ocorre devido a fatores biológicos, meus sentimentos em pedaços se vão nas palavras esmiuçadas por motivos de catarse, algo assim a título de provável desabafo, dir-se-ia o desamarrar de inutilidades acumuladas ao longo das ilusões, sonhos e desilusões arraigadas na alma. Alivia o coração retirando os fardos de anos do meu viver, vão-se os anéis enferrujados dos sentimentos pesados e ficando os dedos da possibilidade de sonhos mais auspiciosos. Permanece o essencial no poço das memórias.
Talvez literatura seja um pouco disso, em parte, pois claro muito de nós, do que vivemos, almejamos e quimeras pelas quais suspiramos, ainda que de forma sutil, pousa na fantasia das criações beletristas. Ouso até garantir que seria quase impossível elaborar obras, mesmo as mais fantásticas e mirabolantes, sem imprimir nelas resquícios de nossos devaneios, de nossas pegadas doces, e às vezes também amargas, experenciadas na jornada da vida. E são justamente essas invisíveis pecinhas do mosaico de minha existência que se soltam de mim, que são arrancadas da alma durante o singelo instante turbinado pela emoção de viajar nas asas das palavras, que respingam nas páginas dos meus rabiscos literários.