NÃO É DIA DE ESCREVER POEMAS

No último 05 de maio foi celebrado o Dia Mundial da Língua Portuguesa. Não ficou sabendo? Pois é, pouco se falou desse dia, exatamente por causa do catastrófico início do mês.

A data foi proclamada pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) durante a 40ª sessão da Conferência Geral da UNESCO. Deve-se a isso bastante valor, dada a relevância das organizações envolvidas. Eu ainda fico por ser a data de falecimento do Quintana. Não há registros de que o aniversário de sua morte teria sido levada em consideração. Mas deveria.

E não é menosprezar Camões, nem Saramago, que morreram em junho; ou o brasileiro Machado de Assis, que expirou num setembro. Mas é que tem o Quintana. E tem o seu “Poeminha do Contra”, o “Seiscentos e Sessenta e Seis”, o “A Rua dos Cataventos” e o “Bilhete”. Além desses, há muitos outros poemas que poderia listar igualmente relevantes.

No entanto, essa falta de visibilidade para o dia da nossa língua deve-se a esse último mês. As enchentes, as tragédias registradas pelas milhares de lentes que aterrorizadas acompanharam essa catástrofe social desenrolar-se e calar os negacionistas climáticos, devastaram boa parte do estado e dificultaram praticamente todos os serviços públicos.

Também muito triste, dentre tantos lamentos muito mais graves, são as imagens da Casa de Cultura Mario Quintana invadida pela água. Ela serviu de residência ao poeta por 12 anos quando ainda era o Hotel Majestic.

No seu poema “Reminiscências”, nosso poeta alegretense descreveu a enchente de 1941, que presenciou, e a encerrou com “foi também a época em que era absolutamente desnecessário fazer poemas”. Concordo com o poeta e vou além, valendo-me de outra obra sua, “O poema”:

Uma formiguinha atravessa, em diagonal, a página ainda em branco. Mas ele, naquela noite, não escreveu nada. Para quê? Se por ali já havia passado o frêmito e o mistério da vida…

Caberia comemorar a riqueza da “última flor do lácio”, como disse Bilac, no 05 de maio? Não nesse último que passou. Porque como Quintana já definiu, não era dia para se fazer poemas, era dia -sim- de salvar vidas.