À janela, pela janela
Embora não conste no Guinness Book, uma das atividades mais interessantes, em cidade menorzinha de hoje em dia, é ficar à janela, nas casas em que ainda contam com janela, sem ter o que fazer, senão olhar pela janela. Olhar e ver além, sem motivo aparente, como quem não tem urgências a fazer ou realizar, como quem está sempre em férias, como quem está morto. (Aliás, por que será que os mortos enxergam tão bem?) Olhar e ver pessoas, e ver coisas, e ver o invisível no semblante visível do mundo das pessoas e das coisas.
Ver Pedrinho, 5 aninhos, 6 dentinhos miudinhos e uma curiosidade enorme. Vê-lo à janela da casa do avô Pedro, uma casa de esquina que conta com duas janelas 24h abertas para o mundo. Ver Pedrinho pendurado sobre seus pensamentos, a olhar concentradamente galinhas no asfalto e pensar "Em que estará pensando Pedrinho?"
Pedro e Pedrinho, parece nome de dupla sertaneja, mas são apenas dois apaixonados por janelas. Pedrinho desde criança; Pedro, desde que se aposentou. É assim, pendurados à janela, pela janela, que eles sonham, criam histórias e, de muitas formas, vivem um pouco além da realidade circunscrita em Maravilha, esta cidade maravilhosa, cheia de janelas.
Há algo místico em estar à janela: esse lugar entre a intimidade do lar e a vastidão do mundo. Não fosse a presença inexorável do tempo, seria quase uma terapia gratuita e indolor. Ou não, a depender do ângulo de observação, da paideia.
Mas o que viria a ser paideia? Não tenho ideia. Apenas olho pela janela, vejo essa moça passar, vestida com a palavra exposta no peito: "paideia". Temendo ser tido como esquisito, coisa que não sou, é claro, sou normal, segundo a numerologia, não a interrompo.
Falta-me, de acordo com a numerologia, apenas coragem para frustrar a marcha da jovem e lhe perguntar: "Moça, o que é Paideia?" Porém vai que a moça também desconheça o sentido original ou fictício do termo. Seria dupla humilhação: a minha, em perguntar; a dela, em não saber responder, conforme o dicionário ou a filosofia.
Assim, o mais recomendado, conforme a numerologia, é apenas relacionar a disposição da palavra ao contexto e ver este senhor, de andar vagaroso, sem óculos, sem pressa, na rua estreita. Este senhor que leva nas mãos trinta reais em cédulas de 10, 5 e 2; que, de repente, para os passos lentos e arruma as notas de dinheiro em ordem crescente. Em seguida, põe todas no bolso da calça escura, dá cinco passos lentos à frente; para novamente; apalpa o bolso, para certificar-se de o dinheiro realmente ainda está no bolso da calça escura e larga, mais larga que escura.
Olhar à janela, pela janela, e ver esse senhor precavido, atento ao parco dinheiro, talvez seu único dinheiro, recear perdê-lo. Admirar o andar em círculos do prestanista, enquanto fala ao telefone e mordisca a ponta da tampa de uma caneta. Pegar-se, do nada, falando sozinho; a observar formiga carregar migalhas não se sabe para onde; estalar os dedos repetidamente e sem motivo aparente, dormindo, sonhando, acordado. Tudo isso pela janela, à janela.
É quase uma terapia gratuita e indolor. Não fosse a presença inexorável do tempo.