Perdoem o palavrão
Tirem as crianças da sala, porque o assunto é pesado. Nos ensinaram desde cedo que palavrão é feio. Não sou fã deles, exceto em situações especialíssimas, para aliviar tensões. Palavrão é coisa séria, não deve ser banalizado – ora é insulto, ora elogio. Seu uso pode ser catártico, desabafo que afugenta fantasmas da alma: choca mais pela deselegância da expressão do que pela mentira.
Para Goethe o que se diz de si é sempre poesia. Escrevemos para transmitir aos outros o universo como o concebemos. Certa vez, professora de inglês de uma turma de adolescentes, tive que criar um “pedágio” para palavrões e uso do Português em sala de aula. Sempre que um aluno soltava um palavrão ou se expressava em português, tinha que recolher um “cruzeiro” ao aluno-tesoureiro. No final do semestre fizemos uma divertida festa com o dinheiro arrecadado...
Palavrões dependem do contexto cultural. A poetisa Adélia Prado conta que na sua família “desgraçado” era o pior dos palavrões. Significava ter perdido a graça de Deus e estar a um passo do inferno. Já Nelson Rodrigues dizia que palavrão é filho de Deus. Entre os dois conceitos, meu coração oscila. Que me desculpem a heresia, mas ante a dor de uma topada ou para contar melhor uma anedota, na hora certa, palavrão pode ser uma palavra santa...
Cada vez mais abusamos deles. Não se trata de puritanismo: é que, como imagem de ator, de tanto serem usadas, palavras se desgastam. E o que era palavrão vira palavrinha. Puxa veio da exclamação pucha, abrandamento de puta. Ameniza-se o palavrão para ser dito em público, sem constrangimento, como “putz”, “caraca”. Lembram grafismos nos balões das histórias em quadrinhos ou as reticências no texto ( mas que m...) que tornam palatável algo difícil de engolir. Como forma de expressão do que nos vai no íntimo, palavrões não são bons nem maus.
Lembrei-me de uma piadinha intercontinental a este respeito. Na Inglaterra dos tempos feudais, pessoas que não fossem da família real deviam pedir consentimento ao rei para terem relações sexuais. Quando o rei assim o autorizava, marcava-se a casa do casal pretendente com a expressão F.U.C.K : Fornication under consent of the King ( na tradução livre: foda, fornicação com o consentimento do rei). Já em Portugal, devido à baixa taxa de natalidade, as pessoas são obrigadas a ter relações. Daí surgiu a palavra FODA: fornicação obrigatória por despacho administrativo.
Venhamos e convenhamos: existe algo mais libertário do que o conceito do f... na hora certa, ainda que só pensado?! Reclamou da qualidade do meu trabalho, não quer me ajudar, desapareceu sem explicações, inventou maledicências a meu respeito, emitiu julgamento preconceituoso? Então f...! O direito ao uso da expressão deveria estar assegurado na Constituição Federal!
Ah, sinto-me de alma lavada. Nunca escrevi tanto palavrão em tão curto espaço de tempo.
outubro de 2007