Entre Sem Bater - Ashley Madison

Noel Biderman (by Ashley Madison) disse:

"... A vida é curta. Tenha um caso ..."(1)

Anteriormente, quando a avalanche dos ponto.com ainda estavam se acostumando com a Internet, as redes sociais limitavam-se a grupos de discussão. Era comum muitas empresas proibirem as pessoas de lerem e-mails em horário de serviço, e acessarem listas de discussão. Os casos são muitos e Noel Biderman viu sua grande oportunidade quando transformou-se no CEO da plataforma Ashley Madison. Nas entrevistas que ele protagonizou, certamente, suas frases eram pura fantasia e encenação. Mas seu personagem ainda está por aí, jurando que tudo não passou de uma grande armação contra ele.

ASHLEY MADISON

Este é um texto que reúne duas coisas interessantes, reais e que deveria servir para as pessoas refletirem sobre como estamos avançando. Ashley Madison é (isso mesmo, ainda existe !) uma plataforma de "dates"(*). No início do século a rede social de maior sucesso era o Orkut e todas elas buscavam monetização. A plataforma teve sua criação por volta de 2002 pelas mãos de Darren Morgenstern. O nome originou-se dos nomes próprios "Ashley” e “Madison ”, aparentemente muito populares na América do Norte.

A princípio "The Ashley Madison Agency" era um serviço canadense de namoro online com atividades de rede social. Seu foco era dar oportunidade a pessoas com relações de casamento que estivessem à procura de casos extraconjugais. O slogan do site, depois da inserção de Biderman como CEO tornou-se "A vida é curta. Tenha um caso".

A plataforma ganhou milhões de assinantes e em 2015, quando sofreu uma violação de dados, expôs situações absurdas e inimagináveis. A plataforma de streaming Netflix lançou documentário com o título "Ashley Madison: Sexo, Mentiras e Escândalo". A ideia da série "Entre Sem Bater" não é fazer crítica à produção e muito menos spoiler dos episódios.

A proposta é contextualizar as falhas de segurança e as questões envolvendo a privacidade de dados das pessoas com as plataformas da atualidade. Desse modo, os leitores devem ter familiaridade com o "Tinder", uma espécie de Ashley Madison da moda. Por isso, ver o que aconteceu com a plataforma canadense é importante para pensar o que cada um faz nas redes sociais.

TRAIÇÃO

A traição(2), notadamente em casos extraconjugais, é um tema que suscita debates intensos e emoções sem controle. A infidelidade pode abalar profundamente a confiança e a estabilidade de um relacionamento. Desta forma, é compreensível que existam consequências emocionais, psicológicas e, porque não dizer legais e até criminais.

O impacto da traição vai muito além de duas pessoas e pode afetar famílias, amigos e até comunidades inteiras. Em um mundo cada vez mais "digital", plataformas de encontros para pessoas com relacionamentos estáveis é um verdadeiro mistério. Ashley Madison, apresentou-se, desde o início, como facilitadora da infidelidade. Desta forma, além de traição, existem sérias questões sobre privacidade e segurança dos dados de cada indivíduo que utiliza estas plataformas.

PRIVACIDADE

No entanto, o incidente da plataforma Ashley Madison transcendeu a esfera da vida pessoal ao expor informações confidenciais de milhões de pessoas. A falha de segurança evidenciou os riscos inerentes à coleta e armazenamento de dados online. Inquestionavelmente, eles não fizeram nada do que prometeram no tratamento de informações sensíveis dos relacionamentos íntimos.

Os casos que o documentário da Netflix apresenta são apenas uma pequena amostra da tragédia pessoal de muitas pessoas que confiaram no serviço.

Desta forma, levanta-se um questionamento complexo e crucial:

Como é possível garantir o controle total sobre dados privativos das pessoas nestas plataformas?

A resposta é complexa e exige muitas análises e conjecturas que a maioria das pessoas não se preocupa. Quando a plataforma mudou seu slogan e "garantia" total segurança de dados, não existia nenhuma legislação como a GDPR (UE) e LGPD (Brasil). É provável que o escândalo da violação de dados incentivou aos europeus acelerar a publicação da GDPR. Com toda a certeza, a lei europeia originou-se da ocorrência de problemas semelhantes, mas atenderia ao caso Ashley Madison.

Atualmente, com a interveniência de profissionais de TI e utilização de inteligência artificial (IA), a situação pode apresentar maiores vulnerabilidades. Existem ferramentas e expertise necessárias para gerenciar e proteger grandes volumes de dados. Por outro lado, a atuação de profissionais e como utilizam as ferramentas deveria garantir a segurança e a eficiência dos sistemas digitais.

A concentração de poder nas mãos de um único grupo, sem mecanismos de controle e auditoria independentes, abre margem para abusos e violações. A história de Ashley Madison serve como alerta sobre as consequências que podem surgir quando o controle dos dados não é transparente e ético.

CONTROLE RESPONSÁVEL

Responsabilização, ética e compromisso são atributos essenciais, agora com previsibilidade em leis, para qualquer plataforma. Contudo, se não houver fiscalização e controles independentes dos mantenedores das plataformas, tudo pode se perder na tecnologia.

Algumas ações para um controle responsável, além da responsabilidade e consciência de cada um passa por:

Transparência: As empresas que coletam dados devem ser transparentes sobre suas práticas. Devem informar aos usuários quais dados coletaram, como é a utilização e quais medidas de segurança para protegê-los.

Consentimento: As legislações em vigor exigem o consentimento dos usuários para qualquer coleta de dados (mesmo os não pessoais). As plataformas devem obter o consentimento de forma clara e inequívoca. Antes da autorização do usuário, devem informar sobre os riscos e benefícios do compartilhamento de suas informações.

Segurança: Medidas de segurança devem ter implementação e verificações periódicas para proteção contra acesso sem autorização ou violações por erro ou má-fé.

Auditoria independente: Mecanismos de auditoria independentes são importantes para monitorar as práticas de coleta, armazenamento e uso de dados. Estas auditorias devem executar procedimentos de conformidade de acordo com a legislação vigente.

Empoderamento do usuário: Os usuários devem ter ferramentas e recursos para controlar seus dados, incluindo a capacidade de acessar, corrigir e excluir suas informações.

MENTIRAS E ESCÂNDALOS

O mundo se tornou um rio caudaloso de mentiras e escândalos, que pode arrastar tudo e todos para o fundo. O caso de Ashley Madison tornou a vida muito mais curta, para quem cometeu uma traição ou só agiu com curiosidade. Com toda a certeza, destruiu vidas e relacionamentos e colocou milhões de pessoas em situações constrangedoras.

É provável que as pessoas que sofreram com o vazamento da plataforma canadense não cuidaram da proteção de seus dados pessoais como deviam. Atualmente, muitos milhões mais fazem as mesmas coisas, ou protagonizam, conscientemente, situações mais graves.

Colocam nas mãos de técnicos de TI ou de IA sua vida ou privacidades, às vezes nem isso. Se, por exemplo, usarmos plataformas que não são de "date" para avaliar os cuidados que tomamos com nossos dados, soará um alarme. A confiança dos usuários em qualquer plataforma depende não apenas das promessas de sigilo. Sem dúvida, depende do que cada um passa para eles e dos procedimentos contra ameaças internas e externas.

FRASES E REFLEXÃO

Biderman disse também:

“Um caso é sempre uma fuga de alguma coisa, mesmo que não seja necessariamente o casamento em si”.

“A névoa obscurece seu julgamento e faz você tentar justificar o caso encontrando desculpas para desmontar seu casamento”,

O CEO mantém até hoje a aparência de que não fez nada de errado.

Em suma, a gestão segura de dados, especialmente em plataformas sensíveis como a Ashley Madison, exige uma combinação de comportamentos. Antes de se preocupar com a qualificação dos profissionais ou tecnologias modernas deve-se pensar no que é privacidade. Adicionalmente, mecanismos de compliance e auditabilidade independente devem ter previsão e promover a transparência. Sem esses elementos trabalhando em conjunto, a privacidade e a segurança dos usuários e assinantes serão eternamente vulneráveis.

A tragédia de 2015 deve servir como um alerta contínuo sobre a importância de uma segurança de dados robusta e transparente.

A temática da infidelidade para aproveitar a vida curta é uma questão complexa que diz respeito a cada pessoa. Certamente, seja num documentário ou numa ficção, não é uma simples questão de certo ou errado. Cada um, com suas próprias crenças e valores, deve decidir o que considera aceitável em seus relacionamentos e se responsabilizar.

O banquete de consequências(3) é líquido e certo, e não julgar ou condenar indivíduos ou seus comportamentos é essencial. Recomendo assistir aos poucos episódios e refletir sobre privacidade, segurança da informação e redes sociais.

"Life is short. Have an affair."

 "Amanhã tem mais ..."

P. S.

(*)  Date pode ser um substantivo ou um verbo. É um termo do idioma inglês que muitos brasileiros adotaram. Em outras palavras, um estrangeirismo que pode significar encontros, geralmente amorosos. No caso de Ashley Madison, é um site de encontros para a prática da traição.

(1) "Entre Sem Bater - Noel Biderman - Ashley Madison" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/05/24/entre-sem-bater-noel-biderman-ashley-madison/

(2) "Entre Sem Bater - Tennessee Williams - A Traição" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/01/18/entre-sem-bater-tennessee-williams-a-traicao/

(3) "Entre Sem Bater - Robert Stevenson - Banquete de Consequências" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/02/13/entre-sem-bater-robert-stevenson-banquete-de-consequencias/