VENTOS DESIGUAIS
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(Pequenas crônicas do cotidiano)
Hoje, 23 de maio/24.
Sob um céu infinitamente azul, um princípio de tarde varrida de ventos
Apesar de estarmos no outono, a tarde morna e essa ventania remetem -me a ares de agosto, ainda que os junquilhos sejam apenas touceiras sonhando floradas.
A pouco, o vento provocou uma batida de porta e o ruído seco me fez lembrar a casa de vó Izaura.
A maquina de costura sobre a mesa ao lado da janela, vovó valseando o tecido que faria uma camisa a mais e ele - o vento - de quando em quando fechando uma das folhas da janela.
Aquela senhora, as vezes pensativa, em outras cantarolando e aquele vai e vem de agulha e fio.
Ao seu lado eu avistava o quintal, as laranjeiras, o espinhoso pé de tuna e as vaquinhas pastando a placidez dos dias
As engrenagens do tempo emperravam e as horas escorriam lentas naquelas tardes.
Um aviao sobrevoava as serras iratienses sempre no mesmo horário rumo à capital, era o que presumia-se.
Vovó dava uma trégua à confecção e de olhos atentos, tecia comentários adivinhando as vidas que seguiam no mesmo.
Falava com tamanha ternura que até hoje, sempre que fito um avião nos ares, tal como ela, fico divagando.
Depois uma pausa para o café da tarde.
A mesa era ampla e nós dois,muito próximos, sorviamos aquela delícia.
Café, pão caseiro e margarina "Primor", naquela tradicional latinha verde.
Em seguida eu tomava o rumo da casa.Os mesmos carreirinhos entre as vassouras ao lado da igreja, dona Severiana pitando na varanda , e um pouco ádiante, a nossa casa.
Duas janelas, feito olhos cansados, a fitar o meu regresso e o vento benzendo o pereiral.
Portão a dentro eu aspirava o ar da tarde varrida e concluía:
O vento aqui de casa não é igual ao vento da casa de vó Izaura.
(Imagem do Google)