Quinze minutos

Armindo curte o final de tarde na varanda da casa vendo a meninada andar de bicicleta. Estamos na nossa cidade, cidade das quase grandes, em bairro pequeno, onde a garotada ainda costuma esquecer o celular e exercitar os pés em pedaladas vespertinas. Armindo tem sempre uma conversa, um caso novo, que ele vai explicando, detalhando, com a paciência dos bons contadores de histórias. Estou passando, cumprimento e sou chamado a papear. Não declino. Conversa vai, conversa vem, Armindo me dá notícias da mãe, uma senhora octogenária, que ele carinhosamente só chama de Mãezinha e começa a elogiar a medicina pública, que estava atendendo muito bem a sua mãe.

– Olha, é de dar inveja a plano de saúde. Desses que cobram fortunas e já deixam doente o velho que pode pagar.

Mostro-me interessado, e ele segue:

– Lá no Rosário, a Upa é perto da casa dela. Acredita que o médico sai do posto e vai lá visitar a velha?

– Fico feliz com a notícia. Você sabe que sou entusiasta do serviço público... E acho que deviam investir muito em saúde, pra gente não precisar ficar pagando essas fábulas.

Armindo demonstra concordar e continua:

– Outro dia corri pro Rosário. Mãezinha precisou ser atendida. Já encontrei ela no soro, sorridente e feliz com minha chegada. A doutora me explicou o que fizera, que o eletro já estava pronto e que ela achava que era melhor Mãezinha vir pra cá, cidade grande, com mais recursos, pra avaliar melhor.

– Você?

– Não tinha o que discutir. Só lhe pedi que me mandasse pro São José. Conheço gente lá e as coisas ficariam mais fáceis. Mas ela disse que só fazia o encaminhamento para a Upa... Eles é que iam decidir pra onde mandar a Mãezinha.

Me permito viajar em pensamentos e ver como é encantador o amor filial, como é belo, como é divino ouvir um homem vivido dizer da mãe com tanto carinho, com tanto afeto, dizer sem dizer que ela é, pra sempre, a pessoa mais importante do mundo.

Volto rápido à realidade e sintonizo o Armindo:

– A ambulância trouxe a gente – eu fiquei lá atrás com ela, sacolejando – até o Romeiros... Você conhece lá... Inauguraram uma Upa novinha, grande, rica em equipamentos. Tem até UTI.

– Assim que gosto... Só devia ser assim.

– Pois é. Chegamos e rapidinho chegaram com uma cadeira de rodas pra levar Mãezinha. Ela tinha caído e sentia dores, agora menores depois que a doutora olhou Mãezinha lá no Rosário. Mas tinha que ver... Precisava de exames.

Não resisti e elogiei:

– Viva a Constituição de 88, que criou o Sus.

Armindo pareceu concordar e seguiu em frente:

– Chegou o médico. Cardiologista. Novo, novo demais. – Armindo aponta um menino que andava de bicicletas:

– Pouco mais velho do que aquele lá...

Rimos.

– Pois é. O moço – Dr. Fred – é que ia atacar as moléstias. Fui com Mãezinha para o consultório dele. Não se preocupou com a queda e a dor, pois levamos uma radiografia esclarecedora. Tudo estava certo. Então ele fez outro eletro e pediu um ecocardiograma. Aí, meu amigo, de repente uma pane no atendimento. Era gente correndo pra todo lado. Alguém tinha tentado se desvencilhar da vida e chegou em estado grave. Correria. Correria para a UTI. Dr. Fred ainda teve tempo de olhar o relógio e dizer:

– 15 minutos, Mãezinha, que já volto –. Ele tinha me ouvido e repetiu o meu jeito de dizer.

– E?...

– Bem... Era mais ou menos 5 da tarde...Mãezinha fez o exame e ficamos esperando. Eu e Mãezinha conversamos, conversamos... Falamos dos vizinhos no Rosário, da gente boa de lá, da rotina de lugar pequeno. Té sentimos saudades dos tempos que eu ficava com ela quase o dia inteiro. A gente falava, falava e olhe que são pessoas que não falam pouco... Dali mais de duas horas, o dr. Fred voltou:

– Escutou Mãezinha. E explicou pra ela os exames... O coração não era pequeno, mas era coisa antiga, dava pra levar. Mãezinha fumava? Não... Não... Ele quis saber mais.... Cozinhava em fogão a lenha? Ela disse que sim, só uns sessenta anos, e ele disse que estava ali a razão daquela mancha escura no pulmão. Mas nada de mais... Dava pra ir levando... Era manter a medicação dos médicos lá do Rosário. Meu amigo!!!...

– O quê?

– Outra pane. Acidentados chegavam à Upa. Correria. Correria. Dr. Fred – todo de um branco alinhado, limpo e novo – tudo ali cheirava a inauguração!, olha o relógio e repetiu o que já tínhamos ouvido a horas. Seriam 15 minutos. Mãezinha, quase sem dores, se livrou da cadeira de rodas e procuramos cadeiras de pessoas sãs, onde ficamos, ficamos, ficamos... por 15 minutos que se repetiam, e repetiam, e repetiam... Enquanto esperávamos, vimos que o motoboy entregava uma enorme pizza. Era pros enfermeiros. Uma moça de branco disse que ia buscar uma fatia pra Mãezinha... Mãezinha respondeu que aceitava, se fosse pequena. A gente esperava, esperava...

– O Fred?

– Já quase onze da noite, eis o Fred... Gente, que dia!!!, disse ele. Conversou mais com Mãezinha e eu... Reforçou as recomendações e só receitou um analgésico... Àquela altura, Mãezinha tinha voltado para a cadeira de rodas. Dr. Fred mesmo foi conduzindo a cadeira, em direção à ambulância. O danado simpatizou com Mãezinha. Tem sorte a minha velha. Sabe o que ele disse?

Armindo queria uma resposta minha...

– Não tenho ideia.

– Ele disse que tinha té vontade de dar um presente pra Mãezinha. Deve ter se lembrado da mãe, da avó, de alguém que ele ama muito. Só pode ser.

– E Mãezinha?

– Acredite... Ela aceitou e disse assim: – Eu queria muito esse relógio seu de presente – e apontou para o pulso do médico. Então o Fred retrucou:

– É um relógio simples, foi presente da namorada. Não posso dar, Mãezinha. Mas por que a senhora quer justamente este relógio?

E Mãezinha me emocionou:

– Nesse relógio, demora tanto passar 15 minutos... Assim eu ia aumentar muito a minha vida!...