Dias Perfeitos
Em tempos onde o sentido da vida parece se resumir à projetos materiais, e as realizações pessoais se limitam à próxima viagem ou ao próximo restaurante de cardápio e ambiente instagramáveis, o filme de Wim Wenders nos convida à ressignificação das coisas comuns, essas que estão ao alcance de qualquer ser humano. O personagem principal, Hirayama, nos mostra que o trabalho pode ser o mais corriqueiro, mas se torna grandioso se feito com o todo capricho de que se é capaz. Que o exercício da contemplação, uma habilidade quase esquecida na pressa com que atravessamos os dias, nos reconecta com a beleza que se manifesta principalmente nas formas da natureza: a amizade travada com as árvores, que resistem nos parques urbanos. A vida nos confronta sempre com nossos pares, e podemos, ainda que no silêncio, sem gastar palavras inúteis, criar vínculo com uma criança perdida, um jovem apaixonado que pede ajuda para conquistar uma garota, alguém que risca anonimamente um jogo da velha, ou um louco, um invisível da sociedade, que ama o mundo abraçando cotidianamente as árvores. Para alimentar a alma, há a música, a literatura, a arte. Hirayama é capaz de encontrar profundo significado em dias aparentemente banais. Perfeitos, na sua sucessão quase monótona. E nada disso o exime de viver a dor do isolamento por uma relação conflituosa com a família, ou pela descoberta do câncer num desconhecido, a quem ele tenta divertir através da brincadeira infantil de perseguir sombras, numa das cenas mais comoventes do filme. O jardim que Hirayama cultiva pacientemente em seu pequeno apartamento, curiosamente remete ao que ele cultiva dentro de si. Dias Perfeitos já pode ser visto nos streamings. E vale cada cena, quando mais não seja para nos fazer refletir sobre onde foi que perdemos o gosto pelo sossego das coisas simples.