Entre Sem Bater - Somos Seres Piores

Pepe Mujica disse:

"... temos (as nações, a humanidade) muito mais riqueza, mas somos seres humanos piores ..."(1)

Escrever emitindo uma opinião, a partir de uma frase de qualquer político é, à princípio, sempre algo de altíssimo risco. Entretanto, as frases e pensamentos de Pepe Mujica, em muitos temas, torna a ideia e opinião mais fácil. Desse modo, como nos tornamos seres piores traz indicações de graves desvios(*). Sobretudo, na mente das pessoas que nem imaginam como as diferenças das classes sociais determinam o preconceito e a segregação.

SERES PIORES

O ex-presidente do Uruguai, com toda a certeza, faz profundas reflexões e críticas ao estado atual da sociedade e do mundo. Sua visão de que a nossa civilização baseia-se, por exemplo, em um desafio enganoso(2) e num deus mercado manipulador. Nossa percepção de mundo deveria ser uma crítica contundente ao paradigma moderno de progresso e desenvolvimento.

Segundo Mujica, apesar do aumento da riqueza global, a desigualdade e a passividade coletiva continuam a crescer. Por isso, ele nos leva a questionar se estamos realmente evoluindo como sociedade e civilização ou se nos tornamos seres piores .

A ILUSÃO DO SUCESSO

Mujica sugere que a noção de que todos podem alcançar seus objetivos é uma falácia perigosa. Vivemos em uma época onde o sucesso mede-se, frequentemente, por padrões materiais e individuais, inatingíveis para a maioria. Essa crença fomenta uma competição sem limites, onde o valor das pessoas reduz-se à sua capacidade de acumular bens e status. Em outras palavras, as aparências nos tornam seres piores que praticam, frequentemente, a hipocrisia nas redes sociais.

Este desafio enganoso não considera as desigualdades estruturais e as diferentes oportunidades que existem entre as classes sociais. Para muitos, a promessa de sucesso é uma miragem, perpetuada por um sistema que beneficia poucos às custas de muitos.

O DEUS MERCADO E A FELICIDADE ENGANOSA

Ao criticar o deus mercado(3), Mujica destaca como a economia global e as forças de mercado moldam, surpreendentemente, nossas culturas e valores. O mercado cria necessidades artificiais e nos vende uma visão de felicidade que visa somente o consumo. A publicidade e os meios de comunicação nos bombardeiam com a ideia de que a felicidade é alcançável através da aquisição de produtos e serviços. Essa manipulação de massas leva a uma busca incessante por mais, gerando um ciclo vicioso de insatisfação e consumismo.

DESIGUALDADE CRESCENTE

Embora a riqueza global aumente, significativamente, a cada dia, essa prosperidade não tem distribuição de maneira equitativa. Segundo dados recentes, a concentração de riqueza nas mãos de poucos é um fenômeno crescente. Em muitos países, a diferença entre ricos e pobres está se ampliando, levando a uma elevação da desigualdade social e econômica. Mujica alerta que essa disparidade não só é injusta, mas também insustentável. A concentração de riqueza gera tensões sociais, aumenta a criminalidade e enfraquece a coesão até entre os conacionais.

Inquestionavelmente, a riqueza e a pobreza são dois lados de uma mesma moeda. E, deste modo, podemos dizer que é uma disputa de "cara ou coroa" que a cara só aparece escondida, para baixo e por baixo. Por outro lado, a coroa sempre reluz sobre tudo e sobre todos.

Enquanto alguns acumulam riquezas inimagináveis, outros lutam para sobreviver ou vivendo de migalhas. A pobreza extrema ainda é, sem dúvida, uma realidade para milhões de pessoas ao redor do mundo. A falta de acesso a recursos básicos como educação, saúde e alimentação perpetua ciclos de pobreza que são difíceis de romper. Mujica argumenta que a verdadeira medida de progresso não deve ser o PIB ou a quantidade de bilionários em um país. Outrossim, as métricas de bem-estar, desenvolvimento social e a qualidade de vida dos mais vulneráveis, deveriam prevalecer.

O PARADOXO TECNOLÓGICO

Assim sendo, vivemos em uma era de avanços tecnológicos sem precedentes, que deveriam transformar a nossa vida de maneira positiva. Entretanto, esses avanços, na maioria dos casos, beneficiam desproporcionalmente os que sempre possuíram privilégios. A automação e a inteligência artificial, por exemplo, substituem empregos tradicionais, deixando muitos trabalhadores sem meios de subsistência. Além disso, a tecnologia também tem uso no aumento do controle das pessoas, comprometendo a privacidade e a liberdade individual.

Como se não bastasse, parece que a natureza humana(4) mudou, dramaticamente, com a explosão do acesso a tecnologias "de graça". O cidadão pode conversar presencialmente com uma pessoa, por exemplo, dizendo que está pensando em comprar um tênis. Nesse ínterim, sua privacidade sofre uma invasão e ele passará a receber anúncios de tênis tão logo utilize qualquer aplicativo. E é assustador o número de pessoas que acham isso normal ou com um preço relativo bem baixo.

A NECESSIDADE DE UM NOVO PARADIGMA

É provável que a solução esteja na capacidade e interesse em repensarmos nossos valores e prioridades como humanos e sociedade. Defender uma abordagem mais humanista e solidária, onde o bem-estar coletivo fique acima dos interesses individuais é um desafio. Precisamos adotar um modelo de desenvolvimento que seja sustentável e inclusivo, que valorize o ser humano e não apenas o lucro. A ideia de Mujica propõe que o verdadeiro progresso tenha métrica a partir da nossa capacidade de cuidar uns dos outros e do planeta.

Certamente, os pensamentos de José Mujica nos convidam a questionar a direção em que estamos indo, enquanto sociedade. Apesar dos avanços econômicos e tecnológicos, estamos nos tornando seres piores, mais individualistas e menos empáticos. A promessa de que todos podem alcançar o sucesso é uma falácia que ignora as desigualdades estruturais críticas. Desse modo, é mais do que necessário um novo paradigma que valorize o coletivo, em detrimento do egocentrismo.

Com toda a certeza, as pessoas acham que assuntos como a defesa do meio ambiente e a tragédia nos Pampas são aleatórios. Enfim, muitos não querem admitir pois a carapuça pode servir perfeitamente, mas a cada clique e compartilhamento de mentiras, somos seres piores.

"Amanhã tem mais ..."

P. S.

(*) A ideia de que se EU não considero ou não pertenço à desqualificação de que nos tornamos seres piores, revela um problema de "espelho".

(1) "Entre Sem Bater - Pepe Mujica - Somos Seres Piores" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/05/20/entre-sem-bater-pepe-seres-piores/

(2)  "Entre Sem bater - Pepe Mujica - Desafio Enganoso" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/05/27/entre-sem-bater-pepe-mojica-desafio-enganoso/

(3) "Entre Sem Bater - Pepe Mujica - Deus Mercado" https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/03/07/entre-sem-bater-pepe-mujica-deus-mercado/

(4) "Entre Sem Bater - Saramago - Natureza Humana" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/05/17/entre-sem-bater-saramago-natureza-humana/