"PRODUTO AUSENTE, ATRAI O CONCORRENTE" Crônica de: Flávio Cavalcante

PRODUTO AUSENTE, ATRAI O CONCORRENTE

Crônica de:

Flávio Cavalcante

Na esquina da Rua do Comércio, havia uma loja modesta chamada "Armazém do Seu João". Era um estabelecimento que trazia no nome o retrato de uma tradição familiar, onde o próprio seu João, com seus cabelos brancos e olhos cansados, atendia os fregueses com um sorriso de quem conhecia cada um pelo nome. O armazém era famoso por ter de tudo um pouco, e as prateleiras, sempre abastecidas, eram um convite para uma boa conversa e um cafezinho passado na hora.

Mas algo mudou. Naquela manhã de segunda-feira, as prateleiras começaram a se esvaziar. Primeiro, foram os pacotes de café, depois as latas de sardinha, seguidas pelas pilhas de arroz e feijão. Os fregueses, acostumados a encontrar ali tudo de que precisavam, começavam a sair de mãos vazias e com a testa franzida de preocupação.

Dona Maria, a mais antiga cliente do armazém, resmungava enquanto olhava para a prateleira onde deveria estar o leite: "Seu João, o que está acontecendo? Cadê o leite de todo dia?" Seu João, coçando a cabeça, respondia com um suspiro: "Ah, Dona Maria, as coisas andam difíceis... A entrega atrasou, e o fornecedor não tem dado conta."

A notícia das prateleiras vazias se espalhou rápido pelo bairro. As conversas na padaria, no ponto de ônibus, no salão de beleza, todas tinham o mesmo tom de lamento e preocupação. Os fregueses, sem outra opção, começaram a buscar alternativas. Foi então que perceberam o supermercado grande, com fachada reluzente, que havia sido inaugurado algumas quadras dali.

No início, muitos foram apenas por curiosidade. Mas lá, encontraram tudo o que o armazém já não tinha. Os corredores largos e as prateleiras abarrotadas eram um convite tentador. O brilho das luzes e o ar-condicionado contrastavam com a simplicidade do armazém do Seu João. Aos poucos, os fregueses se renderam ao conforto e à variedade do novo concorrente.

Seu João, sentado atrás do balcão, observava o movimento diminuir dia após dia. O sino da porta que antes tocava incessantemente, agora soava raramente. Cada cliente perdido era um golpe no coração do velho comerciante, que via o legado de uma vida desmoronar diante de seus olhos.

A vida no bairro mudava. O armazém, antes ponto de encontro e de troca de histórias, começava a parecer um fantasma de tempos melhores. E assim, prateleiras vazias, que antes simbolizavam apenas um momento de falta, tornaram-se um presságio de um futuro incerto. A ausência de produtos atraiu o concorrente e espantou a freguesia, deixando seu João a refletir sobre os ventos impiedosos do progresso e da modernidade.

No silêncio do armazém, restavam as memórias de uma época em que a proximidade e a confiança eram tão essenciais quanto o pão de cada dia. E no coração de seu João, a esperança teimosa de que, um dia, as prateleiras voltassem a se encher e os fregueses, a retornar. Situação difícil de reverter.

Flávio Cavalcante

Flavio Cavalcante
Enviado por Flavio Cavalcante em 19/05/2024
Código do texto: T8066475
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