Com bicho no fouveiro

 

Em criança, ouvi muitas vezes meu pai – que, dentre tantas profissões, era vaqueiro – dizer: “Este cavalo está com bicho no fouveiro.” Ele, aliás, pronunciava “fovero” e, obviamente, em frases como essa, usava o pronome “esse” em vez de “este”. Até hoje, é comum na zona rural de nossa região ouvir-se dizer que o cavalo está com bicho no fouveiro. Além disso, a expressão “está com bicho no fouveiro” também é usada para dizer que o indivíduo está acabrunhado, escondido no seu canto, ou, ainda, que está com alguma doença íntima, como, por exemplo, alguma infecção sexualmente transmissível.   

 

É coisa do linguajar dos meus ancestrais (nordestinos vindos do Piauí e do Maranhão, mas de origem cearense). Meu pai era piauiense; minha mãe, maranhense; meu avô materno, piauiense filho de cearense. Assim, falo aqui pelos meus, embora, possivelmente, esta seja uma variação linguística diatópica também de outros nordestinos. Há muitas coisas que os dicionários não registram. “Está com bicho no fouveiro” é uma delas. Não encontrei esse emprego em nenhum dos bons dicionários que possuo e consulto regularmente.

 

A palavra, sim, está registrada como adjetivo no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, e, também como adjetivo, está dicionarizada. Consta, por exemplo (verbi gratia ou v. g., se quisermos, desnecessariamente, usar aqui o latim), no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, no Novíssimo Aulete Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa e no Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, dentre outros que consultei e deixo de citar na ligeira enumeração, inclusivamente dicionários de Portugal. Nem uma dessas obras, porém, registra a palavra “fouveiro” com o significado de bolsa testicular do cavalo.

 

Fouveiro designa a cor castanho malhado de branco arruivado. Tipo, por exemplo, a pele da pessoa que sofre de vitiligo. O Aulete, por sinal, dá como abonação literária este trecho do romance O feiticeiro, de Xavier Marques: “Seguiam-se as cabaças vestidas de redes de búzios, prontas a rolar nas mãos fouveiras que as empalmavam.” Pois bem, a bolsa testicular do cavalo tem essa coloração e, por isso, é chamada (pelo menos, por alguns nordestinos) de fouveiro: o fouveiro do cavalo. Daí se dizer que o cavalo está com bicho no fouveiro, ou seja, com larvas de mosca-varejeira (Cochliomyia hominivorax) no saco testicular.

 

A palavra também pode ser empregada em relação a roupas ou outros objetos de tecido, acepção em que significa desbotado ou esmaecido e tem por sinônimo fubento, palavra também bem nossa, ou seja, de nordestinos e seus descendentes. Roupa velha fubenta. Calça e camisa fubentas. Por fim, mas não igualmente importante, fouveiro também é substantivo quando designa o próprio cavalo da cor fouveira. E não é só isso. Ainda como substantivo, lê-se no Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa, da Porto Editora, do Porto (Portugal), também designa lá terra lusitana uma espécie de abutre, cujo nome científico é Gyps fulvus.