Aperto de mão

Ser chato é um dom. Não estou falando de ser insuportável, estou falando de ser chato. Lá no fundo, todo chato é um perfeccionista, e o perfeccionista tem seus efeitos no mundo. Ele pode se importar com tudo, ser excelente no que faz, e por fim, ser alguém reconhecido e respeitado. Porém, ele pode se cobrar muito e tornar sua própria existência cansativa. Também pode cobrar muito de seus amigos, cônjuges, filhos e funcionários, tornando miserável a vida de quem está ao seu redor. Então, quem é chato tem que aprender a ser chato direito. Dominar essa arte.

Hoje a noite (18/05/24), estive usando o Instagram. É uma rede social repleta de pessoas querendo vender seus produtos, mas um vendedor específico chamou minha atenção. Era um professor de oratória, ensinando sobre apertos de mão. A imagem dizia: "Descubra o que seu aperto de mão comunica sobre você!". Que besteira, pensei. O que pode um aperto de mão dizer sobre uma pessoa?

Imagine que você está chegando num evento, numa festa mais ou menos formal. Você passa os olhos pelo ambiente e há uma roda de gente bem vestida, e uma pessoa falando com aquele grupo, enquanto os outros escutam atentamente. Essa pessoa conversa alto e é bem humorada. Sua voz e palavras são enérgicas e vigorosas. Ao perceber sua presença, se dirige a você a passos rápidos. Sorrindo, se aproxima e, olhando em seus olhos, te dá um aperto de mão. Que tipo de aperto de mão você imagina?

Pense na sua resposta, que eu te digo a minha: Imaginei um cumprimento tão fulminante quanto a figura em si. Aperto forte com movimentos velozes para cima e pra baixo. Eu enfileirei vários adjetivos vultosos e traços de personalidade: Alto, humorado (não sei se humorado é adjetivo), enérgico, todos os que redigi. Foi montado um cenário na minha e na sua cabeça para imaginarmos como este ser hipotético apertaria sua mão.

Embora eu pense que é besteira essa história de que o aperto de mão revele algo sobre a gente, confesso que, na minha historinha, eu mesmo imaginei uma saudação condizente com as características desse personagem fictício. O motivo? Acho que o estereótipo. Se alguém aparenta ter uma personalidade forte, parece óbvio que seu aperto de mão não seria frouxo. As aparências enganam. A gente se deixa levar por certos elementos externos, e guiados pelo que vemos, temos a tendência de enfiarmos uns aos outros dentro de caixinhas rotuladas.

Retomemos a pessoa fictícia, que balançou sua mão com força. Ela é tímida? Talvez sim, talvez não. Mesmo que eu tenha descrito esta figura estando bem relaxada e desinibida, pode ser que meu personagem só se sinta à vontade falando alto porque todas as pessoas daquela roda eram seus amigos chegados e queridos. Mas, em dias comuns, ele gagueja ao entrar numa loja e dizer "bom dia".

Eu sou um chato. Não acredito que pessoas tenham uma essência interior ou uma personalidade definida de nascença. Creio que a personalidade é uma construção perpétua, resultado da história de cada um. Eu frequentemente critico as coisas porque em algum momento da minha vida, criticar me foi útil. Foi uma habilidade que desenvolvi. Por ser chato e não deixar ninguém em paz, eu escrevi uma crônica a respeito de algo simples que vi no Instagram, que achei bobo e impreciso. Fiquei incomodado e produzi algo interessante pra mim, e que talvez te agrade.

Caso essa minha personagem fictícia existisse, não haveria essência extrovertida ou introvertida nela: Ela seria extrovertida com os amigos do peito, mas seria introvertido com a moça do caixa eletrônico. Tudo depende do contexto desta pessoa. Se imagina muitas coisas sobre ela, mas perceba que eu não disse muitos detalhes sobre este ser: Se é homem ou mulher, alto ou baixo, bem ou mal vestido. Tudo o que fiz foi digitar algumas linhas de informação.

Às vezes nossa mente se antecipa aos fatos, e creio que neste processo surgem as gafes e se manifestam os preconceitos. Alguém há de dizer que pequenas coisas como um aperto de mão importam sim. Mas caro leitor, uma besteirinha como um aperto de mão não define ninguém; a soma de várias besteirinhas, sim.

Guilherme Sousa da Silva
Enviado por Guilherme Sousa da Silva em 18/05/2024
Reeditado em 19/05/2024
Código do texto: T8066178
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