Nós iremos voltar
Saibas tu que não era só os bens materiais. Agora é a hora de erguer a cabeça. Olhas tu meu guri o que te digo. Meu velho pai e teu avô sempre me ensinaram isso. Nunca desistir das lutas que esta vida, as vezes incoerente com a situação, sempre nos impõe. E desta luta saibas tu que não iremos desistir. No entanto, agora é a hora de deixar pra trás todos os nossos bens. Fazer o quê? A nossa casa tão simples e tão humilde neste momento não nos pertence. A força da correnteza das águas nos impedem de ficar. Ela fora construída ao longo dos anos com muito esforço e trabalho de seu pai e de tua mãe. Todas as nossas coisas do lar que é tudo simples e necessário. A geladeira e o fogão e as panelas. O sofá e a mesa com as cadeiras. A televisão que ainda não deu tempo de terminar de pagar. A compra do mês paga com o cartão de crédito e que o mercado acabara de entregar. O armário, nossas roupas e as camas e colchões. Fazer o quê? Agora iremos para o "abrigo". Não iremos desistir! Iremos voltar em breve. Quando as águas da Lagoa dos Patos e do Río Guaíba baixarem. E começaremos tudo de novo. Eu, de antemão, sei que o reencontro com o nosso lar será marcado pela perda total dos móveis pesados como os sofás e as camas e os colchões que foram todos arrastados para outros lugares com a força da correnteza da cheia dos rios. Tudo estará úmidos, molhados, com lama e cheirando a lodo. Os eletrodomésticos, mesas, cadeiras, roupas, frutas e outros alimentos ficarão banhados e boiandos em lama suja, assim como toda e qualquer superfície da casa como as paredes, o chão e os azulejos. As janelas e portas certamente se quebraram pela força da correnteza das águas ou por algum saques que acontecem em situações de abandono de casas. Fazer o quê?