Não sei

Não é a toa que muitas religiões antigas veneravam o feminino: A mulher, mais especificamente a mãe, é a fonte da vida. Não é a água, nem o sol, nem a alimentação ou o sangue correndo sadio pelas veias. Esqueçam tudo isso, pois é a mãe. Repito: A mãe é a fonte da vida.

Neste sábado (18/05/24), li minha última crônica para minha mãe, que ao ouvi-la, se encheu de orgulho. Possuída pela glória materna, me pediu que escrevesse uma crônica sobre ela. Não sou um filho tão obediente, confesso, mas neste texto está o fruto da minha reverência familiar.

Em 2015 (ou 2016, não lembro), eu tinha uma missão, um dever de casa escolar: Escrever uma redação. Não lembro o assunto, não lembro o tema, não tenho certeza sequer do professor que passou aquela atividade, mas me lembro da angústia de estar sentado na mesa, agoniado, sem saber o quê e como escrever.

Minha mente estava árida, infértil e improdutiva. Eu queria escrever, queria mesmo! Mas não conseguia. Acho que não decidia um tema. Não sabia como começar e como desenvolver. Simplesmente não sabia, e às vezes não saber dói. Eu cheguei a chorar de frustração, e provavelmente também de raiva subsequente à frustração. Era de noite, e eu tinha que entregar a redação na manhã seguinte.

Minha mãe trabalhava durante o dia, e estava em casa à noite, e então pedi a ajuda dela pra escrever. Ela respirou fundo, começou a me questionar qual era o tema da redação. Foram propostos 3 temas pelo professor e eu tinha que escolher um (eu não lembrava disso, quem me recordou foi minha mãe). Nenhum de nós lembra do tema escolhido, talvez fosse a Amazônia.

Começamos a desenvolver a redação. Ela começou a me perguntar como seria a introdução. Eu estava suado de desgosto, estava me cobrando bastante para redigir aquele texto. E eu sentia uma certa raiva, muita raiva, pois sentia que a minha mãe não entendia tão bem de redação. Mas ficamos ali, lutando com as palavras. Eu ia tentando escrever, e minha mãe me incentivava. Apresentei o tema no papel, depois desenvolvi o assunto falando dos benefícios da Amazônia para o Brasil e os países vizinhos.

Exausto do suplício, contei as linhas do texto, para verificar se eu já tinha escrito o suficiente. Finalmente, a conclusão. Tinha de escrever o que eu achava de tudo aquilo. Opinei na redação, segundo minha mãe me relatou a pouco. Terminamos o texto. Digo "terminamos" conjugado no plural pois a redação era minha, mas não foi um trabalho solitário. Apesar das dificuldades, foi uma boa redação aos olhos do meu professor: Tirei um 9, graças a minha mãe. (Correção materna: Graças a nós dois)

Foi Lacan quem disse que o amor é dar o que não se tem para quem não quer. E realmente, essa foi nossa dinâmica de trabalho. Minha mãe (não é calúnia, são palavras dela) não é a melhor pessoa do mundo para fazer redações. Assim como eu naquele distante ano, ela tinha dificuldades com a escrita, mas ela sentia que não podia desapontar seu filho. Mesmo sem saber, fez de conta que sabia, e me ajudou. E eu não queria ajuda dela, ajuda que eu considerava ineficaz, mas ela suportou meu chilique e me ajudou. Acho que isso é o amor.

P.S.: E tal qual na década passada, minha mãe me ajudou a escrever essa crônica. Minha memória não conseguiu guardar todos os eventos, tive que interrogá-la.

Guilherme Sousa da Silva e Rita
Enviado por Guilherme Sousa da Silva em 18/05/2024
Reeditado em 18/05/2024
Código do texto: T8065873
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